PSICÓLOGA



TESE DE DOUTORADO
Indice



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INTRODUÇÃO

Desde o início da década de 1960, a hiperatividade na criança tem recebido atenção crescente de psicólogos e educadores. Modelos teóricos, pesquisa básica extensiva e uma variedade de novos programas de tratamento mostram a atenção prestada e a importância deste tópico. No entanto, o procedimento adequado à avaliação da hiperatividade, bem como o tratamento e a medicação utilizada ainda são questões pouco esclarecidas.

Para o diagnóstico e tratamento da hiperatividade, talvez o mais importante desenvolvimento que tenha ocorrido na última década não tenha sido o de natureza tecnológica mas, sim, o conceitual, ou seja, o reconhecimento da necessidade de se definir exata e sistematicamente a entidade clínica em questão (CAMPBELL e FISKE, 1959; BELL et al., 1972; ACHENBACH e EDELBROCK, 1978; BARKLEY, 1982; ACHENBACH e EDELBROCK, 1983; AMAN, 1984; ACHENBACH et al., 1987; SHAYWITZ e SHAYWITZ, 1984; CAMPBELL, 1985; SOUZA, 1985; BIRD et al., 1988; FRICK e LAHEY, 1991)

As definições conceituais são importantes e necessárias na formulação de uma pesquisa teórica; entretanto, faz-se necessária a operacionalização das mesmas para o desenvolvimento da pesquisa, do diagnóstico e do tratamento da criança hiperativa.

A falta de exatidão com que a hiperatividade tem sido definida, em especial no Manual Estatístico e Diagnóstico de Distúrbios Mentais, da Associação Psiquiátrica Americana (APA, 1968, 1980, 1987 e 1994), conduz a uma si-tuação na qual os resultados das pesquisas são pouco esclarecedores e apresentam ausência de generalização.

É perigosa a tentativa de se definir a hiperatividade sem validades empíricas sólidas, uma vez que os procedimentos usados para avaliação do comportamento refletem uma influência direta da definição. A prática mais popular, e talvez a que mais necessite de uma elaboração em busca de uma legitimidade, é a de se usar sinônimos que refletem comportamentos da criança hiperativa, mas que não avançam na definição (DULCAN, 1985; EDELBROCK e RANCURELLO, 1985; CATALDO, 1987; FERGUSSON et al., 1991; FRICK et al., 1991; FRICK e LAHEY, 1991). KEOGH (1971, p.101) afirma que a "maioria dos pesquisadores focaliza a sintomatologia sem definir o constructo".

Tornando mais confusa e nebulosa a definição, o termo hiperatividade é usado como sinônimo de inquietação, déficit de atenção, super-atividade, hipercinesia e impulsividade (APA, 1968; MILLER et al., 1973; GITTELMAN-KLEIN et al., 1976; POGGIO e SALKIND, 1979; APA, 1980; ROBERTS et al., 1981; LEVY, 1983; HANSEN e COHEN, 1984; HINSHAW, 1987; APA, 1987; GOODMAN e STEVENSON 1989a, 1989b; HALPERIN, 1992; MEERE et al., 1992; LEVY et al., 1993; OMS, 1993; APA, 1994). Terminologias que usualmente caracterizam e descrevem outras dificuldades da infância são também freqüentemente empregadas para descrever a criança hiperativa, tais como: negativismo, pobre julgamento, incapacidade de seguir regulamentos, incapacidade de terminar uma tarefa, espontaneidade, falar muito e irritabilidade (PINCUS e GLASER, 1966; PAINE, 1968; PAINE et al., 1968; WERRY e QUAY, 1971; DELONG, 1972; WHALEN e HENKER, 1984; SCHACHAR, 1991; ROWE e ROWE, 1992a; ROBINS, 1992).

Muitas pesquisas têm mostrado, por outro lado, diferenças entre crianças hiperativas e não-hiperativas; no entanto, para que uma entidade diagnóstica tenha validade é necessário que haja entre o grupo hiperativo e o não-hiperativo diferenças bem estabelecidas em termos da etiologia do problema, do curso do sintoma, das características comportamentais e da operacionalização das mesmas, bem como das respostas ao tratamento medicamentoso e/ou alternativo.

A validade da distinção entre hiperatividade e outro tipo de distúrbio de conduta, caracterizado por padrão de comportamento agressivo e/ou déficit comportamental, bem como da criança normal, ainda não foi bem estabelecida (APA, 1968; RUTTER, 1978; APA, 1980; PRIOR e SANSON, 1986; APA, 1987; WERRY et al., 1987; SCHACHAR, 1991; OMS, 1993; APA, 1994).

Na literatura referente ao problema da hiperatividade em crianças de idade escolar, duas preocupações aparecem de forma constante. Primeiramente, o esforço repetitivo no sentido de diferenciar hiperatividade de outros aspectos do comportamento que, pelo menos potencialmente, refletem características diferentes e não necessariamente correlacionadas da mesma: é o caso de déficit de atenção / hiperatividade, incapacidade específica de aprendizado / hiperatividade, impulsividade / hiperatividade (WENDER, 1974; LEFÈVRE et al., 1978; SILVER, 1986; APA, 1987, 1994).

Num outro ângulo, chama a atenção o recurso freqüente à avaliação de pais e/ou professores como critérios de irrequieto, que ora apresenta resultados consistentes, ora inconsistentes. Isto sugere que alguns aspectos do comportamento, em especial da movimentação corporal da criança, devem ser conspícuos aos adultos que convivem com ela. Que características seriam estas? Depreende-se, quase sempre, das descrições apresentadas em diversas pesquisas, que é a quantidade de certos tipos de movimentação (por exemplo: "levantar / sentar") ou a movimentação em geral ("estar sempre em movimento", "excitabilidade", "impulsividade") que subjaz às avaliações (RUTTER, 1967; CONNERS, 1969, 1973; LAMBERT et al., 1978; SHAYWITZ e SHAYWITZ, 1984; WHALEN e HENKER, 1984; BRITO, 1987).

A inconsistência dos resultados, tanto entre os diversos estudos, como às vezes dentro do mesmo estudo (LAMBERT et al., 1978; BRITO, 1987) sugere que a especificação destas características possa estar insuficientemente precisa (SOUZA, 1985).

Através dos resultados obtidos por SOUZA (1985), foi possível supor que é a conspicuidade provocada pela menor restrição em termos de espaço ocupado pela criança e de parte do corpo, e a conspicuidade determinada pelo ritmo e/ou diversidade da movimentação corporal (medida pelos índices Ritmo e de Alternância), mais do que a quantidade, que afetam a percepção do adulto que convive com a criança.

O presente estudo busca, basicamente, contribuir para a adequada compreensão do processo de desenvolvimento humano, sob o enfoque etológico, que permite visualizar a existência do homem como uma unidade bio-psico-social.

Em trabalho anterior, SOUZA (1985) estudou um sistema metodológico em termos de nível de recorte para a categorização e de modelo de análise dos dados observáveis, com a mesma preocupação contida nos estudos de HINDE (1974), CASTRO (1979) e BLURTON JONES (1981), acrescentados do materialismo histórico dialético, como complementação à procura do entendimento do como se realiza o processo de desenvolvimento da movimentação corporal do menino rotulado como hiperativo em sala de aula.

Esta pesquisa procura, ainda, por meio da música, fornecer suplementação e/ou alternativa, para o atendimento dos meninos diagnosticados como hiperativos e dos indicados como irrequietos. Inquestionavelmente, a música tem mostrado efeitos significativos sobre os comportamentos, em especial nas tarefas orientadas e situações estruturadas (LUNDIN, 1953; FOX, 1971; JORGENSON, 1974; WILSON e AIKEN, 1977; STEELE, 1987; MADSEN et al., 1987; GROENEWEG, 1988). Sugere-se que a música ambiente tenha considerável importância para o aumento da atenção, em uma variedade de situações de tarefa, especialmente naquelas de natureza repetitiva (ZIMNY e WEIDENFELLER, 1962; REARDON e BELL, 1970; SCOTT, 1970; MOWSESIAN e HEYER, 1973; STRATTON e ZALANOWSKI, 1984; CRIPE, 1986; DAVIDSON e POWELL; 1986; MADSEN et al., 1987; MADSEN e FORSYTHE, 1987; GROENEWEG, 1988; MORTON et al., 1990).