Vera Pessoa
PSICÓLOGA



TESE DE DOUTORADO
Indice



7
INFLUÊNCIA DA MÚSICA SOBRE A HIPERATIVIDADE DO MENINO


7.1 O movimento corporal do menino indicado como irrequieto, diagnosticado como hiperativo e acima do terceiro quartil, sob a influência da música rock. Uma abordagem etológica e materialista, histórico-dialética

Pesquisas, que serão mencionadas posteriormente (tópico 2.6.5), relatam que a música de fundo tem se mostrado efetiva na estruturação de comportamentos, em especial em tarefas escolares, em sala de aula (LUNDIN, 1953; FOX, 1971; MOWSESIAN e HEYER, 1973; SMITH e MORRIS, 1976; WILSON e AIKEN, 1977; STRATTON e ZALANOWSKI, 1984; ABERASTURY e TOLEDO, 1984a, 1984b; DAVIDSON e POWELL, 1986; MADSEN et al., 1987; STEELE, 1987; MADSEN e FORSYTHE, 1987; GROENEWEG et al., 1988). Algumas delas, objetivando estudar o rotulado menino hiperativo, observaram que este em situação educativa e/ou terapêutica, na presença de música rock, apresentou melhora no desempenho da tarefa proposta. Assim, SCOTT (1970), em um contexto escolar, estudou meninos que apresentaram aumento de produtividade na realização de uma tarefa matemática; CRIPE (1986), numa situação terapêutica, relatou aumento na concentração dos meninos estudados, durante pintura de desenho; e SOUZA (1990), durante uma Tarefa Não-Verbal, em sala de aula, observou diminuição na porcentagem da movimentação corporal medida pelos índices Ritmo e Alternância. Esta, bem como na atual pesquisa, buscando no enfoque etológico e materialista histórico-dialético, procura estudar o processo funcio-nal da movimentação corporal do menino hiperativo, em uma atividade estruturada dentro de um contexto social, na presença de música rock.

CARVALHO (1989) analisa as relações existentes entre o biológico e o psicossocial, enquanto componentes integrantes de um sistema complexo, organizado e organizador, constituído no ambiente específico da espécie humana, e que,

"no sentido biológico, e com todas as suas implicações em termos de evolução e adaptação, envolve a cultura, que não se apresenta, portanto, separada ou independente, mas em relação estreita e necessária com a natureza e a biologia do homem" (p.85).

A etologia mostra a interdependência dos fatores biológicos e culturais no processo de evolução do homem, e

"o modo de vida cultural como um fator seletivo crucial no caso da evolução humana... A evolução cultural é um fator de nossa evolução biológica; a cultura produziu o cérebro que a produz, a cultura criou o ser que a cria... É aí, também, que podemos dizer que o homem é cultural. Mas esta afirmação não implica, apenas, como muitas vezes é interpretada, em aptidões genéricas para o ajustamento a uma variabilidade ambiental arbitrária, ou numa adaptabilidade e plasticidade ilimitadas. Implica, sim, em reconhecer que nossa organização biológica, fruto de um processo de evolução do qual a cultura é parte inseparável, define, de modos muito específicos, a nossa psicologia: uma psicologia que envolve, por exemplo, uma organização cerebral própria para aquisição de linguagem verbal, que será especificada, concretizada, através de experiências para as quais também somos biologicamente organizados; que envolve uma organização para relações sócio-afetivas de certos tipos, cujos alvos e conteúdos são especificados pelas experiências especificamente humanas; a psicologia de uma espécie cuja adaptação envolve o pertencer a um meio sócio-cultural, em decorrência das características próprias de seu processo de evolução, do qual esse meio é simultaneamente produto e instrumento." (CARVALHO, 1989, p.89 e 90)

Dessa forma, o enfoque etológico apresenta um conceito unificado de homem, superando as oposições tradicionalmente definidas entre organismos e ambiente, biologia e cultura, inato e adquirido (CARVALHO, 1989, p.88). E, sob este ângulo, o materialismo histórico oferece importante contribuição quando afirma que a estrutura da organização sócio-político-econômica da sociedade tem base fundamental na cultura, e propõe um método de compreensão de como se dão as relações biológicas, psicológicas e sociais no desenvolvimento do homem. Portanto, o homem biológico (aparato de base), psicológico (mundo subjetivo de significados e significantes), e social (contexto onde existe e vive sua trama de relações sociais) tem como eixo integrador dessa existência a PRÁXIS (atividade); por meio desta o homem se auto-constrói e se individualiza pela heterogeneidade; constrói o conhecimento (do fato concreto) e a consciência (análise da "finalidade" do fato concreto), transformando e sendo transformado pela realidade (ARANHA, 1991).
VYGOSTSKY (1977) e LEONTIEV (1977, 1978) afirmam que mudanças históricas na sociedade e na vida material produzem mudanças na consciência e no comportamento do homem. Os autores propõem que por meio da atividade criativa e produtiva, o homem transforma seu ambiente natural e transforma-se, conseqüentemente; esta mudança faz-se pela criação, pelo uso de instrumentos e de fenômenos do mundo circundante, resultantes do desenvolvimento da cultura humana. Os pesquisadores mostram que a internalização dos sistemas de signos, que são produzidos culturalmente, provoca transformações comportamentais, estabelecendo um elo de ligação entre formas de desenvolvimento individual inicial, e formas subsequentes. Estabelece-se, então, que as:

"conquistas do desenvolvimento histórico do homem consolidam-se em objetos materiais e em fenômenos ideais (linguagem, ciência) criados pelo homem".

LEONTIEV (1977) avançando sobre a questão da atividade humana afirma que:

"para "se apropriar" dos objetos ou dos fenômenos é preciso empreender uma atividade adequada ao conteúdo no objeto ou no fenômeno dado. Quando dizemos, por exemplo, que a criança "assimila" instrumentos, isto significa que começa a usá-los com precisão e que forma as correspondentes ações e operações motoras e mentais"" (p.106). "A simples apresentação de um objeto, dificilmente desenvolveria na criança a capacidade de sua utilização. É claro que a formação de semelhante ação é em si mesma um processo de assimilação de operações formadas através da experiência de gerações anteriores e apenas surgem sob a influência do ensino que dirige de maneira específica a atividade da criança, que organiza suas ações (p.108)... Esta atividade não pode desenvolver-se na criança independentemente, mas desenvolve-se mediante as relações práticas e verbais que existem entre elas e as pessoas que as rodeiam, na atividade comum" (p.109).

Observa-se, segundo esta concepção, que "as capacidades humanas formam-se neste processo funcional" das relações sociais; (RAPPAPORT, 1978; MARCHAND, 1985). ARANHA (1991), referindo-se a LEONTIEV (1977), afirma que "as relações do homem com o mundo que o rodeia, o processo ativo de apropriação das conquistas das experiências humanas acumuladas no decurso da história social e realizadas nos produtos objetivos da atividade coletiva são mediadas por suas relações com as pessoas" (p.9).


7.1.1 Caracterização do menino hiperativo

Todo educador, neuropediatra, pediatra ou psicólogo já se deparou, provavelmente, com um menino rotulado como irrequieto ou hiperativo. Genericamente falando, este menino parece ser como os demais meninos, os normais, num primeiro contato. No entanto, se observado criteriosamente, nota-se uma distinção entre ambos, embora não seja claro, muitas vezes, o que os distingue. A maioria dos meninos diagnosticados como hiperativos e portadores de déficit de atenção (AD / HD, segundo DSM-IV; APA, 1994) apresentou padrões de falta de atenção e/ou hiperatividade-impulsividade que são mais freqüentes e severos, comparativamente, com outro menino do mesmo nível de desenvolvimento. Os meninos com hiperatividade manifestam disfunções nas áreas da atividade e coordenação motora; atenção e função cognitiva, em especial em situação estruturada (como por exemplo, na sala de aula); controle de impulso; relações interpessoais direcionadas à dependência-independência; responsividade à influência social, principalmente em harmonizar as ações de acordo com as exigências da situação e emotividade (WENDER, 1974).


7.1.2 Tratamento medicamentoso da hiperatividade

A maioria dos meninos hiperativos e portadores de déficit de atenção (APA, 1994) recebe tratamento com medicação estimulante, como por exemplo, os mais usados, metilfenidato (Ritalina), pemolina de magnésio (Cylert) ou d-anfetamina (Dexedrina). Inicialmente, estas produzem efeito paradoxal, ou seja, acalma o menino hiperativo, enquanto que pesquisas relatam que a medicação sedativa estimula o mesmo (GRAEFF, 1989; SILVER, 1992; SCHATZBERG e COLE, 1993; OLIVEIRA, 1994).

Segundo conduta de SILVER (1992), se a medicação estimulante não controlar o comportamento em questão ou se ocorrerem efeitos colaterais, introduz-se outras da categoria antidepressiva tricíclica, tais como imipramina (Tofranil), desipramina (Norpramim), clonidina (Catapres) ou bupropion (Welbu-trim). Se estas não surtirem efeito, ou se controlarem apenas alguns dos comportamentos da AD / HD, faz-se uma combinação entre os estimulantes e os antidepressivos tricíclicos. Se, mesmo assim, esta combinação não produzir a resposta esperada, ou se a criança apresentar efeitos colaterais que exijam acompanhamento médico, introduz-se outras medicações, tais como tioridazina (Melaril), carbamazepina (Tegretol) ou lítio.

Embora existam opiniões divergentes, calcula-se que 60 a 90 por cento dos meninos diagnosticados como hiperativos apresentam consideráveis melhoras, caracteristicamente relacionadas à medicação; no entanto, estas melhoras, geralmente, referem-se mais ao comportamento do que ao desempenho acadêmico. Os efeitos da medicação estimulante podem, às vezes, não influir sobre o comportamento de alguns dos meninos, ou podem apresentar pouca melhora no mesmo, ou ainda, podem causar mais agitação. Todavia, os estimulantes podem apresentar efeitos colaterais, tais como anorexia, insônia, disforia e mesmo tiques (VARLEY, 1983, 1985; SILVER, 1986; EISENBERG, 1988; GRAEFF, 1989; SILVER, 1992; SCHATZBERG e COLE, 1993; OLIVEIRA, 1994).

Os estimulantes, geralmente, manifestam efeito instantâneo, o que não ocorre com os antidepressivos tricíclicos que podem levar dias ou semanas para apresentarem resultados. Os efeitos colaterais destes, em crianças, assemelham-se àqueles vistos em adultos, tais como roncar e dormir bastante, euforia ao acordar, fadiga, irritação, raiva e retardo nas atividades nas primeiras horas do dia (SCHATZBERG e COLE, 1993).

Segundo SCHATZBERG e COLE (1993) não há qualquer estudo, com criança, que apresente as conseqüências, a longo prazo, da terapêutica medicamentosa com drogas psiquiátricas sobre as funções cerebrais, comportamentais ou físicas na vida adulta. Os pesquisadores advertem que a maioria das "drogas psiquiátricas padrões" não tem a aprovação do U. S. Food and Drug Administation (FDA) para sua utilização em crianças, ou mesmo em adolescentes, principalmente porque os estudos necessários não foram realizados. No entanto, os estimulantes são aprovados pelo mesmo órgão, quando prescritos para a criança com déficit de atenção e hiperatividade.

Tanto a medicação estimulante, quanto a antidepressiva tricíclica, são prescritas com o propósito de aumentar o controle de impulso, de atenção, de irrequietação, do funcionamento social-adaptativo ou, mais genericamente, de ajudar a criança a responder adequadamente ao contexto acadêmico e social diário (SHAYWITZ et al., 1978; BRUMBACK et al., 1984; DULCAN, 1985; SILVER, 1986; SHAYWITZ e SHAYWITZ, 1987; DuPAUL, 1991; FITZPATRICK et al., 1992; SHAYWITZ et al., 1992).

A produção do metilfenidato (Ritalina) aumentou consideravelmente de 1982 a 1988 (de 1.082 quilos para 2.137, respectivamente), nos Estados Unidos, representando, desta forma, uma aceitação da medicação entre profissionais da área de saúde. Se há concordância entre médicos de que a terapia com estimulante e/ou com antidepressivo tricíclico pode ser útil no tratamento da hiperatividade, e se tais medicações são utilizadas para tratar de uma estimativa de 800.000 crianças, naquele país, por que o assunto tornou-se polêmico no meio científico? (COWART, 1988).

COWART (1988) relata que, em uma entrevista, JOHN P. COALE, procurador da justiça da Geórgia, Estados Unidos, afirmou:

"...pessoalmente, acho horrendo. Antes de qualquer pessoa administrar às crianças uma droga, dever-se-ia olhar o que se está fazendo. A comunidade psiquiátrica acha que está perfeitamente bem administrar drogas às crianças. Na hora do almoço (nas escolas), há uma fila de criancinhas aguardando para tomar remédio psiquiátrico".

COALE diz receber numerosos telefonemas de pediatras e psicólogos que dizem que o Manual Estatístico e Diagnóstico de Distúrbios Mentais (DSM-III-R; APA, 1987), da Associação Psiquiátrica Americana, é apresentado "de maneira falsa", e que conduz as crianças a serem diagnosticadas como tendo um distúrbio quando elas não têm. COALE alega que o DSM-III-R é um documento político e acrescenta que os critérios diagnósticos freqüentemente não estão apoiados por estudos científicos, mas que representam, como substituto, o voto da Associação. Em relação ao metilfenidato, COALE assume que:

"Basicamente, é uma droga para controlar crianças; elas se sentam de maneira quieta e não aborrecem os professores. Não estou dizendo que alguma coisa não deva ser feita a respeito das crianças com problemas, porém existem muitas outras coisas..."

WHALEN e HENKER (1984) afirmam ter chegado a hora de se aprimorar questões empíricas; não sendo necessário, nem producente, querer saber se a hiperatividade realmente existe, ou se os estimulantes possuem efeitos positivos ou negativos. Os investigadores dedicam-se à busca de uma informação muito mais útil, producente e teoricamente significativa; os mesmos fazem levantamento das exatas dimensões comportamentais que distinguem a criança hiperativa de seus companheiros, e que respondem, ou não, ao tratamento com estimulante. LONEY e MILICH (1982) observam que:

"não dispomos de literatura sobre a hiperatividade na infância; em vez disso, temos uma literatura acerca da infância que externa seus problemas de comportamento (hiperatividade e agressão), por nós denominada literatura da hiperatividade".

Informações detalhadas acerca do fenômeno da hiperatividade, das suas inter-relações quantitativas e qualitativas, sob os diferentes ângulos que é percebido, não devem elucidar as causas, os efeitos e as conseqüências da hiperatividade, mas também, ou sobretudo, orientar a elaboração de planos diversificados de "tratamentos".
Interessa-se saber até que ponto a música pode contribuir para o entendimento do fenômeno em questão, fornecendo possível alternativa ou complementação aos tratamentos convencionais que são oferecidos ao menino hiperativo.


7.1.3 Música rock: síntese histórica

O que designar por "música rock"?
Sob o ponto de vista de PARAIRE (1992) não é possível limitar o conteúdo da palavra rock ao da expressão "rock'n'roll". A música rock adquiriu, desde 1955, extraordinária dimensão em gênero, subgênero, escolas e andamentos, que só o sectarismo considera como exterior ao rock, estilos como jazz rock, afro rock, rock planante, funk, soul music e blues rural. O autor aponta a divergência entre Estados Unidos e França ao se referir a este estilo de música: nos Estados Unidos a expressão "rock music" abrange todos os gêneros da música rock; desde "rock'n'roll", "country music" ao eletro-funk de Jackson, incursionando pelos blues de Chicago à pop music inglesa. Referir-se a este fenômeno musical como "musica rock" é ultrapassar os vários sentidos e limitações das expressões ligadas ao passado desta linguagem artística ("rock'n'roll", "pop music", etc.).
"O que é música rock?".
Que pretensão defini-lo! Absolutamente polimorfo, ele parece variar mais no tempo e no espaço do que o fazia, por exemplo, o barroco na Idade Média. Para compreender o que é rock faz-se necessário entender sua capacidade de agitar o público; Elvis Presley o sentiu e o definiu como: "...é difícil explicar o rock and roll.... é uma batida que te pega! Você o sente!" (MUGGIATI, 1981; CHACON, 1983; MUGGIATI, 1985)
O rock é o som que leva o corpo, quase que irremediavelmente, a se embalar no ritmo da música; o ouvinte comprometido com o clima que ele desperta se vê dançando e/ou cantando, deixando que o ritmo e as notas penetrem pelo seu corpo. A música rock tende a despertar a liberdade física, o movimento corporal extrovertido, ao contrário, talvez, da música erudita que sugere a introspecção, o silêncio, o "bom comportamento"; o rock pressupõe a troca, a integração entre instrumentista ou vocalista e público, convidando-os a sair da passividade para os fatos emergentes.
Dançar é fundamental! Se não há reação corporal "quente" não é rock; "quente" porque não há regras, passos pré-determinados, músculos tensos a espera do próximo movimento .Tão corporal quanto dançar é cantar; não importa se a afinação vocal ou mesmo a letra estão corretas, e não tem importância saber ou não inglês para cantá-lo. Se não é afinado cria-se uma melodia; se não se sabe inglês inventa-o ou emite algumas palavras: o que importa é estar em sintonia com a batida (MUGGIATI, 1981; CHACON, 1983).
A música nos alcança pela audição, e certamente nos afeta fisicamente por possuir um ritmo e um tempo como nossas funções biológicas; o som influencia todo nosso corpo e sentido; na música rock uma nota distorcida de uma guitarra parece atingir não só o cérebro, mas cada uma das células do corpo humano. À esta ocorrência tem-se a impressão de que o rock é um dos ritmos musicais mais envolventes que se conhece na sociedade moderna, como afirmam alguns pesquisadores:

"O rock não é, portanto, apenas um tipo especial de música, de compasso ou de ritmo. Restringi-lo a isso é não reconhecer sua profunda penetração numa parcela (cada vez mais) significativa das sociedades ocidentais...O rock é muito mais do que um tipo de música: ele se tornou uma maneira de ser, uma ótica da realidade, uma forma de comportamento. O rock é e se define pelo seu público. Que, por não ser uniforme, por variar individual e coletivamente, exige do rock a mesma polimorfia, para que se adapte no tempo e no espaço em função do processo de fusão (ou choque) com a cultura local e com as mudanças que os anos provocam de geração a geração. Mais polimorfo ainda porque seu mercado básico, o jovem, é dominado pelo sentimento da busca que dificulta o alcance ao porto da definição (e da estagnação...)". (CHACON, 1983; p18).
"A natureza dinâmica e fragmentária do rock não admite simplificações, reduções, catalogações. Daí a impossibilidade de "explicar" o rock ou inscrevê-lo num "panorama definitivo"
(MUGGIATI, 1981; p. 13)
"...música binária, muito ritmada, estruturada por um número limitado de acordes e destinado à dança"
(PARAIRE, 1992, p.15).

O rock surgiu, provavelmente, do primeiro grito emitido pelo escravo negro ao pisar a "sua nova terra natal", a América. E à medida que o escravo se aprofundava na cultura local, representada pela tradição européia, o "grito" assume novas formas, servindo, talvez, de suporte à canção de trabalho, ao cântico religioso e à cantiga de escárnio. No entanto, apesar de todas as modalidades em torno do "berro", o grito africano permanecia fiel ao núcleo da expressão musical negra; e, decorrente desta fidelidade, deste sentimento, nasce o blues: união entre o grito do escravo e a harmonia européia .

À medida que o grito tornava-se mais complexo o blue se expandia, assumindo características próprias: como por exemplo, na zona rural os gritos eram acompanhados por guitarras, pela gaita de boca ou outros instrumentos pobres e rudimentares, sendo o ritmo marcado pelas batidas dos pés. À estas manifestações, na cidade, introduzia-se instrumentos europeus tais como: corneta, trombone, clarineta e piano. Desta forma, entre os anos 30 a 40 nasce o rythm'n blues, que nada mais era do que o blues rural com roupagem urbana, acompanhado por guitarras elétricas nos guetos negros, das grandes cidades americanas. O rhythm and blues é a vertente negra do rock; é aí que se encontram as vertentes corpóreas da música rock; o apelo sensual cada vez mais explícito transbordava-se pelas vozes e notas das variações que os blues criaram: o jazz, ragtime, dixieland, boogie e o soul. O espírito puritano das décadas de 30 e 40, devido à Grande Depressão não resistiu ao impacto moral da guerra da Coréia (1950 a 1953), e talvez, com as incertezas aumentadas, os milhões de jovens, inicialmente os americanos, são atraídos pela vibração da voz negra: grave, rouca e sensual, acompanhada pelo som pesado alimentado pela guitarra elétrica (MUGGIATI, 1981; CHACON, 1983; MUGGIATI, 1985; MONTANARI, 1986, 1988; PARAIRE, 1992).

Ao lado do negro, o branco tinha também seu estilo popular: o country and western caracterizando-se por ser música rural do branco pobre, dos Estados Unidos, e música dos cowboys do Oeste, respectivamente. Se esta versão branca para o sofrimento dos pequenos camponeses era, às vezes, apropriada pela mentalidade conservadora das classes dominantes ou mesmo do pequeno proprietário, nem por isso perdia suas características populares de dor, resistência passiva e de lamento; podendo atingir um caráter sério, crítico e mais ativamente de protesto, como foi o caso de Woody Guthrie, no qual Bob Dylan se inspirou (MUGGIATI, 1981, 1985).

As duas correntes musicais, a rhythm and blues e country and western se juntam dando origem ao rock and roll, nos anos 1950; nesta época surgem cantores que contribuem com Bill Halley para a sedimentação do rock and roll: Chuck Berry, Jerry Lee Lewis, Elvis Presley e outros. Bill Halley aproveitando-se das gravações negras e tirando-lhes o excesso de crueldade nas palavras, torna-se o pai adotivo do novo ritmo; e a música "Rock around the clock" torna-se o ponto alto do sucesso deste cantor e guitarrista (CHACON, 1983; MONTANARI, 1988).

"A verdade é que Bill Halley está para São José assim como Elvis está para Jesus: Bill pode ser o pai da criança, mas o que conta é a própria criança" (CHACON, 1983, p.27).

O rock and roll surge como a imagem de um triplo conflito no interior da sociedade norte-americana:

1. Conflito racial - duas culturas inimigas se encontram fazendo o mesmo tipo de música; o rock and roll é antes de tudo uma música negra absolvida e abafada pelo branco, que iria espoliar e marginalizar os criadores negros.

2. Conflito moral - o rock'n'roll original afirma-se como bandeira reivindicatória de uma geração de jovens desejosos de se firmarem perante os adultos; o sexo, o vestuário e outros valores morais tradicionais dos americanos são postos à prova pelos adolescentes. No entanto, em pouco tempo a "ordem moral" é retomada e o rock and roll vive apenas cinco anos (de 1954 a 1958, mais ou menos).

3. Conflito comercial - na medida em que o rock'n'roll era apenas originalmente artesanato sulista, os estúdios de Memphis e de Nashville são para a música negra e para a do branco, respectivamente. Rapidamente os conflitos entre Norte-Sul, cidade-campo, ricos-pobres chamam atenção das grandes empresas do Leste e da Califórnia. O conflito entre a arte e o comércio, ganho nitidamente pelo segundo, minou-se moral e fisicamente de um dia para outro. Em 1960, os primeiros rockers sobreviventes não são mais artistas, mas estrelas em declínio de um gênero moribundo (PARAIRE, 1992).

No Brasil, em particular, o movimento do rock detonou-se por meio da exibição do filme "No balanço das horas" ("Rock around ten o'clock), em 1957; o qual teve em Tony e Cely Campelo seus intérpretes principais, além de Sérgio Murilo e outros.

No final da década de 1950 a situação se complica, e o sucesso da música negra coincide com os marcados conflitos raciais nos Estados Unidos; e a música rock'n'roll ao contrário do embalo voltado à dança, caminha cada vez mais para a politização, dando origem ao folk rock; este, formado pelo ritmo marcado, exaltava temas de contexto social cantados à maneira do blues original. É também o momento em que se lançam os Beatles e os Rolling Stones: construindo-se a ponte entre a assimilação da música negra americana pelas bandas britânicas de Manchester (um local onde não existia qualquer conflito racial) e os dólares americanos (CORRÊA, 1988, 1989).

A respeito dos Beatles e dos Rolling Stones, segundo CHACON (1983), faz-se necessário definir dois pontos fundamentais: em primeiro lugar, a incrível capacidade que demostraram ter para representarem os valores do momento, e em segundo, a genialidade; somente vistos por estes ângulos pode-se tentar explicar suas criações, sem nunca, no entanto, esquecê-las; como por exemplo: Yesterday, Jumping Jack Flash, Get Back, Get Off My Cloud, Eleanor Rigby, Start Me Up, Here Comes The Sun, It's Only Rock'n'roll, Street Fighting Man e Revolution.


"Você diz que quer uma revolução / Ora, você sabe / Todos nós queremos mudar o mundo / Se você sai por aí carregando retratos do Presidente Mao / Não vai acertar nada com ninguém / Você diz que é a Instituição / Ora, você sabe / O melhor na verdade é libertar sua mente" (Beatles, em Revolution).

Da mesma forma, os Beatles e os Rolling Stones conquistam o mercado inglês mais ou menos na mesma época, nos fins de 62 e início de 63. Suas imagens contestadoras (cabelos compridos, por exemplo) se mesclam com o bom comportamento (tipo terninho limpo, etc..) que os promotores e produtores esperavam deles. Nos Estados Unidos, nesse momento, encontram-se duas vertentes que vão penetrar o rock: de um lado a Motown, gravadora dos sucessos negros e do outro estava a folck rock que servia de elemento nacional de reação à invasão inglesa; é o momento em que aparecem, por exemplo, Jimmy Hendrix, Bob Dylan, Crosby Still and Nash, Jefferson Airplane e toda a "geração Woodstock" (MUGGIATI, 1981; CHACON, 1983; CORRÊA, 1988, 1989).


"Você não precisa de um meteorologista para saber de que lado está soprando o vento" (Bob Dylan, em Subterranean Homesick Blues).

"Quantos caminhos deve um homem percorrer até que seja chamado homem? / Sim, e quantos mares a pomba branca singrar antes de repousar na areia branca? / Sim, quantas vezes devem as balas de canhão explodir até que sejam banidas para sempre? / a resposta, está sendo levada pelo vento, / A resposta, está sendo levada pelo vento" (Bob Dylan, em Blowin' in the Wind).

Ao som do bombardeio do Vietnã, segundo 200 disc-jóqueis americanos, os Beatles lançavam o maior LP da história da música rock: O disco Sargeant Pepper's Lonely Hearts Club Band; desse LP derivariam o Their Satannic Majestic Request, dos Rolling Stones e Tropicália de Caetano Veloso. Desta forma, no final da década de 1960, a Jovem Guarda, movimento musical brasileiro eclodido sob a influência americana, afirma um gênero estrangeiro como música nacional, em torno de nomes como Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Ronnie Cord e Eduardo Araújo. Este movimento dá lugar à música rock politizada, emergida com a Tropicália, de Caetano Veloso, Gilberto Gil, Rita Lee e os Mutantes; a música rock de Baby e Pepeu Gomes acaba sendo a marca do início dos anos 70.
O mesmo monstro que destruiu Judy Garland e Marilyn Monroe faz outras vítimas entre os ídolos da nova música: Brian Jones, Jimmy Hendrix, Janis Joplin, Alan Wilson e Jim Morrison. A dissolução dos Beatles e as mortes de Jimmy e Janis marcam em 1970 o fim da era dos superstars de rock. O próprio John Lennon, em uma entrevista a Rolling Stone, em janeiro de 1971, desabafa:

"O sonho acabou! Com isso quero dizer que toda essa euforia de "poder jovem" - o mito da "nova geração", enfim, se foi" (MUGGIATI, 1981; CORRÊA, 1989).

Estando a música rock esgotada enquanto protesto da juventude, não faltaram esforços para torná-la um movimento instrumental caracterizado pela fusão de rock, jazz e música clássica, que recebeu o nome de fusion; ainda como resultado desta tentativa encontra-se o rock progressivo por um lado, e o início do chamado rock pesado, por outro. Este, considerado como o pai do heavy metal.
No Brasil, na mesma época, surgem os conjuntos que revelariam estrelas no ano 1980, tais como: Bolha, Módulo 1000, Terço, Mótuo Perpétuo (de Guilherme Arantes), Som Imaginário e outros; seria também a época do surgimento do rock rural brasileiro, de Milton Nascimento e dos irmãos Borges. Foram poucos os esforços para tornar a música rock um gênero erudito; no Brasil, o conjunto Secos e Molhados representou uma tentativa nesta direção. Sob esta perspectiva, é contrariado o espírito democrático da música rock que perdurou até 1977, pois a mesma torna-se privilégio de uns poucos rockers. (CORRÊA, 1989).
Precisamente no ano de 1977, ocorre a transição do gênero punk- iniciado quase que como uma manifestação de revolta na Inglaterra - para o new wave; este uni-se aos gêneros remanescentes do reggae jamaicano, ainda na Inglaterra, interrompendo, desta forma, o virtuosismo do rock progressivo.
Em Nova York a new wave recupera os ritmos afro e, mesclando-se com a alta tecnologia, torna possível o resgate da música dançante.

Nietzche, Lévi-Strauss, Jimmy Hendrix - três culturas diferentes, três épocas, e no entanto três visões convergentes sobre a música.

Escreve Nietzche em 1871, quando o trovão de Wagner sacode a Europa:

"simbolismo cósmico da música resiste a qualquer tratamento adequado através da palavra, pela simples razão de que a música, referindo-se à contradição e ao sofrimento primordiais, simboliza uma esfera que ao mesmo tempo é anterior à aparência e se situa além dela".

Claude Lévi-Strauss, em 1964:

"Pensar mitologicamente é pensar musicalmente. De todas as linguagens, só a música une os atributos contrários de ser ao mesmo tempo inteligível e intraduzível".

E Jimmy Hendrix, em 1969:

"A música em si é uma coisa espiritual. Não se pode cortar uma fatia de uma onda perfeita do mar e levá-la para casa. A música está em movimento o tempo todo. É a maior coisa eletrificando a Terra".

Como música, o rock só pode ser encarado nessa perspectiva de mito - ou seja, só admite tradução na linguagem da própria música, embora várias tentativas tenham sido feitas para "explicar cientificamente" o fenômeno musical. Nisso, a ciência tem operado segundo um esquema convencional: dissecando as partes componentes do todo. Mas através de que mecanismo a música se estrutura na percepção humana como sistema de relações sonoras? O pesquisador Peter Nathan tenta descrever o processo em The Nervous System:

"Quando ouvimos música, provavelmente algo assim acontece: a massa entrante selecionada de som passa das áreas receptoras auditivas primárias para as suas áreas parassensoriais, adquirindo sentido musical na área parassensorial direita ou na região vizinha. Os impulsos nervosos também são enviados para uma parte do lóbulo temporal esquerdo, setor essencial para a elaboração de conceitos e para o pensamento; sem isso, talvez a música fosse apenas uma massa de sons, desprovida de forma e de significado musical. Os impulsos nervosos também são enviados para aquelas partes dos lóbulos temporais em que são experimentadas as emoções. Pois música que não desperta emoção seria apenas som sem sentido. Não se sabe ao certo onde se concretiza os aspectos intelectuais da audição musical; talvez seja também nos lóbulos temporais".

Segundo o psicólogo M. H. Ward,

"a música nada mais é do que uma pattern rítmica. Essas patterns de ritmo intensidade exercem um efeito profundo sobre nós, indicativo de que o compositor que escolheu colocá-las no papel exprimiu uma emoção "alegre", "atormentada" ou "graciosa" na ocasião em que as concebeu, e isso obviamente se deve a alguma associação entre essas patterns e a mente humana. A resposta será encontrada no fato de que o organismo também passa por uma série de patterns de ritmo-intensidade à medida que viaja através da gama emocional de sua existência" (MUGGIATI, 1981, p. 87).

Pode-se então, concluir que, conforme CHACON (1983, p.75),

"Estudar o Rock é procurar compreender os movimentos da mentalidade. É tentar descobrir no coletivo as razões interiores que motivam à participação (ou à alienação); é entender melhor porque fazem aquilo que fazem os movimentos jovens....O que é incompreensível é o olhar superior que a comunidade acadêmica dirige a um meio cultural de tão significativo alcance. Quem rejeita o Rock (não como prazer, mas como possível fonte de estudo) não compreendeu Woodstock, Maria Antonia, UNE, as primeiras conquistas da "abertura", os movimentos pela paz, as drogas, a crise da família, a escola, 68 e sei lá mais o que. Sem medo de exagerar, não compreendeu muita coisa dos últimos 40 anos e do que está por vir".

A seguir é apresentado um quadro comparativo de origem e evolução do rock, segundo CORRÊA (1989).

Cronologia dos Estilos:
Anos 30  Blues  Bluesgrass   
Anos 40  Rhythm and Blues  Country and Western   
Anos 50  Rock Folk
* Rock and Roll
* Rock'n Roll 
Rockabilly   
Anos 60  Soul
* Reggae 
Country Rock
* Rock 
 
Anos 70  SKA / Reggae
* Funk
* Progressivo 
Glitter / Glam
* Folk Rock
* Punk 
Heavy Metal 
Anos 80  Tecnopop  Minimalismo  New Wave 


7.2 A música como instrumento educativo e/ou terapêutico

7.2.1 O homem em harmonia com a música
A música é uma parte forte de nossa herança cultural e, certamente, uma parte importante e natural nos anos de crescimento da criança. Observações de jogos infantis mostram como a criança revela extraordinária e expressiva habilidade criativa por meio da música (DALCROZE, 1925; LLONGUERAS, 1942; GONZÁLEZ, 1963; GAINZA, 1964; BAREILLES e ZEN, 1964; COMPAGNON e THOMET, 1966; PAHLEN, 1967; NORDOFF e ROBBINS, 1971; JANNIBELLI, 1980; MÁRSICO, 1982; HARGREAVES, 1988; GUNSBERG, 1988; FRIEDENREICH, 1990; TAME, 1990; GUNSBERG, 1991a, 1991b).

Educadores têm usado durante muito tempo a música para instruir, facilitar a aprendizagem e encorajar o afeto do aluno para consigo mesmo e para com o outro, bem como a socialização. Esta forma não verbal de educação satisfaz a criança que pode experimentar, por meio da música, alterações cognitivas, afetivas e sociais expressivas (VILLA-LOBOS, 1937; ANDRADE, 1937; RIBAS, 1957; MIGNONE, 1961; WILLEMS, 1961, 1970; GIOS, 1983; HOWARD, 1984; STERWART, 1989; PENNA, 1990; TOURINHO, 1993).

A Psicologia da Música tem se preocupado, neste século, em estudar a música sob a perspectiva do ouvinte. Pesquisas têm se desenvolvido na direção do estudo da qualidade auditiva, da percepção dos sons, através de testes auditivos (SEASHORE; GORDON; BENTLEY, citados por FONTERRADA, 1991), da influência do ambiente acústico e social na audição e das formas de comportamento do ouvinte (TRUAX, citado por FONTERRADA, 1991; TOMATIS, 1977; SCHAFER, 1991). Muitos destes estudos têm se preocupado em pesquisar os sons, tradições e sistemas diferentes à cultura musical ocidental, enfocando o histórico-social. Desta forma, alguns pesquisadores manifestam sua preocupação na influência que os sons podem exercer no ser humano.

As grandes mudanças ocorridas no século XX, com o desenvolvimento acelerado da tecnologia e o emprego da eletricidade e da eletrônica, introduziram novos sons ao ambiente. Ao analisar este fenômeno, SCHAFER afirma que o mundo de hoje sofre de uma superpopulação de sons e que as informações acústicas sem demasia não permitem que eles sejam percebidos com clareza. A nova tecnologia removeu as restrições de espaço e conferiu ao homem um novo poder; hoje, é possível o "empacotamento" do som e sua transmissão para qualquer lugar no mundo. É também possível sua repetição e reprodução exatas, através de técnicas de gravação. Essas possibilidades de separar o som de fonte produtora geraram mudanças no comportamento e na percepção das pessoas, instalando-se então o que o autor chama "esquizofrenia, para conferir-lhe o mesmo sentido de aberração e drama"" (SCHAFER, citado por FONTERRADA, 1991, p.67-68). SCHAFER afirma que "precisamos aprender a ouvir. Este parece ser um hábito que esquecemos. Precisamos sensibilizar o ouvido ao maravilhoso mundo dos sons à nossa volta". O mesmo (1992, p.139-295) defende, ainda, "a idéia de uma interferência positiva no ambiente sonoro, capaz de reverter as situações problemáticas causadas por ruído excessivo. O homem teria, segundo ele, a tarefa de manter ou produzir os sons que quisesse ter, e dispensar aqueles que não lhe interessassem."

Nesta mesma linha de pesquisa, KERR (citado por FONTERRADA, 1991), músico, regente, interessado em voz e audição, afirma que "vivemos em novo ambiente sonoro, no meio de muito aumentados sons inorgânicos e involuntários", ressaltando ainda que "perdemos a proporção entre o nosso físico e a possibilidade sonora do instrumento; perdemos, também, a proporção acústica do espaço" (citado por FONTERRADA, 1991, p.68). BENENZON (1988, p.21), psiquiatra e musicoterapeuta argentino, observa que existem outros sons "não audíveis conscientemente," (aqueles que se encontram acima ou abaixo do limiar auditivo humano) "mas que também penetram e estimulam os sistemas de percepção. Estes sons (infra e ultra sons) provocam impacto no inconsciente do indivíduo, burlando os mecanismos de defesa de seu próprio Eu (...) e, atuam da mesma forma, pois, como os medicamentos psicotrópicos e drogas, provocam e mobilizam condutas e emoções não controláveis".

FUBINI (citado por FONTERRADA, 1991, p.128) afirma que:

"qualquer escrito sério sobre música parte, hoje em dia, de uma ampla base histórica e fenomenológica. Mesmo porque na música estão contidas as categorias teóricas, experienciais (histórico-social) e fenomenológicas que permitem articular uma prática libertadora" (SEKEFF, 1994, p.2).

A música sendo vista sob outro ângulo, o terapêutico, tem sido estudada e aplicada há aproximadamente cinco décadas, por meio da musicoterapia, que pode ser definida como "o campo da medicina que estuda o complexo som-ser humano-som, para utilizar o movimento, o som e a música, com o objetivo de abrir canais de comunicação no ser humano, para produzir efeitos terapêuticos, psicoprofiláticos e de reabilitação no mesmo e na sociedade" (BENENZON, 1988, p.11).

O papel que a música tem na vida do homem é enriquecê-lo, sendo este uma das principais funções da musicoterapia, em especial para crianças. Por outro lado, os sentidos proporcionam o material básico do que há de ser a inteligência humana. Os mesmos necessitam se desenvolver em um ambiente musical, pois este favorece a percepção sensorial e, conseqüentemente, o enriquecimento do homem (GASTON, 1968). BEXTON et al. (citados por GASTON, 1968) afirmam que a carência de estímulos sensoriais pode não só prejudicar o organismo jovem, como também pode levar o ser humano adulto a manifestar um comportamento anormal, perdendo o sentido de si mesmo e sofrendo alucinações. GASTON (1968) observa ainda que uma quantidade adequada de estímulos sensoriais é necessária à saúde física e mental.

Como um estímulo sensorial, a música compreendida por seus elementos, ou seja, melodia, harmonia e, em especial, o ritmo, segundo GASTON (1968), é um componente significativo na natureza social do homem.

"O ritmo organiza e proporciona energia (...) por si só organiza a ordem temporal da música (...) é regular e universal, independente da época em que este é ouvido (...) as atividades rítmicas facilitam a tarefa em conjunto, pois não requer a comunicação verbal; o ritmo atua como vínculo de união" (GASTON, 1968, p.37).

A estética musical, a partir do interesse da Filosofia e da Psicologia, busca esclarecer conceitos como linguagem, significado e expressão, visto que a dicotomia entre a música como expressão ou forma parece ter perdido seu sentido. A linguagem pode ser entendida como uma relação de igualdade com o pensamento, facilitando a expressão do mesmo (HUSSERL, citado por FONTERRADA, 1991). Por meio da linguagem os pensamentos "adquirem valor subjetivo e, finalmente, existência ideal" (MERLEAU-PONTY, citado por FONTERRADA, 1991, p.136). Percebe-se, desta forma, que a música como forma e expressão é como compor um quadro, é encontrar a palavra adequada para expressar um fato, um afeto ou uma impressão (HEVNER, 1936; ABERASTURY e TOLEDO, 1984a), ou seja, a mesma une o pensamento à linguagem.

Segundo o arcabouço teórico-filosófico sobre a compreensão fenomenológica-existencial da linguagem, assumido por FONTERRADA (1991, p.145),

"... pode-se dizer que o que caracteriza as teorias da Linguagem de MERLEAU-PONTY e GADAMER, e as coloca em contraposição com as concepções tradicionais de linguagem, é a própria maneira de se entender o fenômeno, que deixa de ser instrumento de representação e elo de ligação entre sujeito e mundo, mas, ao contrário, se constitui no próprio meio em que o sujeito vive, compartilhado pelo grupo social a que pertence. De acordo com esta visão, o mundo de experiência do sujeito somente se constitui, se mediado pela linguagem, que é adquirida. Portanto, a linguagem deixa de ser vista como representação da realidade, passando a se constituir em um meio de organização dessa "realidade" (...) A posse de uma linguagem altera a relação sujeito / mundo de experiências e, conseqüentemente, age como fator de modificação do indivíduo".

Atualmente, outra tendência da estética musical tem buscado superar a diferença entre intérprete e público, sugerindo outra abordagem interpretativa sobre a linguagem musical. Este movimento iniciado por CAGE (citado por FONTERRADA, 1991) concebe a linguagem musical como síntese do fazer, jogar, sentir e pensar, mostrando um processo dinâmico em uso, pré-reflexivo ou reflexivo, acessível à toda pessoa.

A música, enquanto linguagem e visão fenomenológica-existencial, é percebida como um sistema que favorece a expressão e é tida como uma arte temporal, desenvolvendo-se no tempo, unindo presente, passado e futuro (FONTERRADA, 1991), "é uma tentativa de substituir (...) uma relação de objeto perdida" (ABERASTURY e TOLEDO, 1984a, p.25). Além disso, a experiência musical é fruto da PRÁXIS e faz parte do mundo da arte que "representa uma organização da nossa conduta para o futuro, uma disposição mais à frente, uma exigência que, talvez, não se realize jamais, o que nos impulsiona a aspirar acima de nossa vida, até o que se encontra mais além dela" (VYGOTSKY, 1972, p.311). Esta "organização" é vista como um exercício de uma comunidade que compartilha das mesmas experiências, códigos e convenções, por estar imersa num arranjo de significantes e significados, conduzindo a uma nova significação que será incorporada às já existentes (FONTERRADA, 1991).

Diante do exposto conclui-se que,

A música é considerada com freqüência como a "linguagem dos sentidos". Um desenho ou um quadro são antes de mais o retrato de algumas coisas, realizado com ajuda de linhas e cor, mas, nem sempre tem um significado estético, um efeito emotivo (por exemplo, uma ilustração de um livro de texto). O mesmo se pode dizer da literatura e da descrição verbal no sentido mais amplo do termo. A música, em contrapartida, não tem nenhum significado se não é uma reação emotiva perante ela. As crianças não a entendem como objeto estético, a não ser que se dirija de modo direto e específico aos seus sentidos; caso contrário, não tem menor significado para as crianças. Quando se perguntou a Chernyshevsky: "Qual é a necessidade que leva o homem a cantar?" Respondeu com muita razão: "Parece que esta necessidade é bastante diferente da aspiração à beleza". O canto é "produto dos sentimentos" e é "essencialmente expressão de felicidade ou de dor". "Por isso a arte é um dos meios mais eficazes de educação dos sentidos. Desenvolve a sensibilidade emotiva, a compaixão, a receptividade; alarga a experiência emotiva do homem, não só refletindo sentimentos íntimos que lhe são conhecidos, como também revelando sentimentos novos que antes lhe eram desconhecidos. Nikolai Ostrovsky escreveu sobre este tema de modo simples e convincente:

"Sabeis porque amo tanto a música? Vi muito sangue e muito sofrimento na minha vida Cresci em tempos duros. Não perdoávamos aos nossos inimigos nem nos preocupávamos conosco. Agora sou um escritor e cabe-me escrever sobre a vida. As cenas da guerra civil e o ódio aos inimigos estão frescos na minha memória. Mas na vida ignorava o amor. Foi Tchaikovski quem me fez pensar e suscitou na minha alma sentimentos íntimos, cuja existência nunca tinha suspeitado" (TEPLOV, 1977, p.130-131).

7.2.2 Música na escola

"Mesmo uma escola vazia apresenta vestígios e lembranças do que aconteceu e pode acontecer ali. Assim não há ações desprovidas de múltiplos significados, não há espaços vazios de expressões ou possibilidades do que podem representar ou abrigar em termos de experiências humanas. Parte deste trabalho representa essa crença" (TOURINHO, 1993, p.128). Não há, por si própria, uma escola vazia de expressão e significado, considerando-se que esta "vive" conhecimentos, emoções e experiências de inúmeras crianças e professores que depositam nela parte de suas vidas. "Outra parte mostra um lado trágico de um quadro interminado. O lado trágico é aquele onde transparece o estado de palidez em que ainda se encontra nosso trabalho pedagógico, carente de opções refletidas e do vigor necessário às ações educacionais" (TOURINHO, 1993, p.128). A atual pesquisa também apresenta "um lado trágico de um quadro interminado" decorrente da visão pouco humana de como vem sendo abordado o rotulado menino irrequieto e, por outro lado, de uma tentativa de assumir uma postura e ação educativa e/ou terapêutica holística do menino em questão.
"O pedaço interminado desse quadro é aquele que deixamos de tratar, as vezes por esquecimento, outras por incapacidade e algumas por opção. Por opção, não repetimos os dados e fatos que continuam demonstrando o desprezo desmedido que nossa sociedade (leia-se também governo) tem pelas escolas, principalmente as dedicadas ao ensino de primeiro grau. O desprezo pela educação é sentido através da falta de cumprimento e até da existência de políticas educacionais e programas de ensino..." (TOURINHO, 1993, p.128).

Este "desprezo" também reflete na questão da educação musical como afirma SEKEFF (1994, p.2), para o qual,"no momento em que no MEC se procede a uma avaliação e recadastramento dos cursos de arte no Brasil, cabe mais uma vez chamar a atenção de nossas autoridades para a questão da educação musical e de sua volta às escolas, como projeto auxiliar para se desenvolverem novos modelos de comportamento, assentados no desenvolvimento e desdobramentos de competências humanas, na ética e na consciência de cidadania. E isto, na medida em que a música provê elementos que levam o educando a formar sentidos e significados que orientam a sua ação no mundo. (...) Defender o lugar que lhe cabe nesse processo, é não aceitá-la como uma atividade neutra, mas entendê-la como influente na formação e nos caminhos do indivíduo, do povo, da sociedade".

O panorama descrito reflete a importância da educação musical nas escolas, entretanto, referir-se a educação musical é falar em música; e "música é arte e ciência, dois elementos que correspondem a um processo evolutivo do ser humano" (BENENZON, 1988, p. 11), implicando em instrumento de estruturação de comportamentos.

A faixa etária (8 a 10 anos) das crianças estudadas nesta pesquisa apresentam as seguintes tendências comportamentais-musicais, segundo JANNIBELLI (1980, p.30): a partir dos 8 anos de idade, as mesmas caracterizam-se pela perseverança na realização de tarefas e pela capacidade crítica social e auto-crítica, mostrando como passatempo preferido a leitura e audição de músicas gravadas ou executadas por elas próprias. Aos 9 anos de idade, as crianças idealizam aprender música, agradando-lhes o estudo de instrumento, canto e apreciação de audições musicais. Na idade que marca a passagem da infância para a pré-adolescência (10 anos), as crianças são sensíveis às organizações de ordem social: idéias, problemas, lutas políticas e desportivas, além de, por vezes, serem extremamente críticas, rebeldes e imprevisíveis, sendo necessário que as atividades artísticas (musicais) sejam planejadas e executadas de acordo com o contexto social vivenciado pelas mesmas.

Entretanto, as crianças ao atingirem os estágios relatados anteriormente, no plano das operações mentais, são incapazes de realizar tarefas propostas na ausência de manipulação de objetos ou se forem levadas a raciocinarem apenas por proposições verbais para a realização das mesmas (MÁRSICO, 1982). Neste período das operações concretas (7 a 12 anos de idade), segundo PIAGET (citado em RAPPAPORT, 1981), "a criança terá um conhecimento real, correto e adequado de objetos e situações da realidade externa (esquemas conceituais), e poderá trabalhar com eles de modo lógico. (...) As ações físicas, típicas da inteligência sensorial-motora e ainda necessárias na fase pré-operacional, passam a ser internalizadas, passam a ocorrer mentalmente" (p.72).

7.2.3 Música: pesquisa sobre sua influência

Manter as crianças engajadas ativamente numa tarefa de aprendizado tem sido um problema constante para o professor; desta forma, é de supra importância que estas estejam atentas à tarefa proposta. Para o professor, as crianças que não prestam atenção ao que lhes está sendo ensinado apreendem parcialmente o conteúdo em desenvolvimento, prejudicando seu conhecimento de natureza acadêmica. Assim, as mesmas necessitam de maior atenção do professor ou de outra forma não acompanham o desenvolvimento acadêmico dos colegas da mesma sala de aula (RUTTER, 1967; CONNERS, 1969, 1973).

Várias pesquisas vêm utilizando música de fundo com objetivo de se conhecer técnicas que aumentem o desempenho das crianças nas tarefas, em sala de aula (ZIMNY e WEINDENFELLER, 1962; REARDON e BELL, 1970; SCOTT, 1970; MOWSESIAN e HEYER, 1973; WILSON e AIKEN, 1977; STRATTON e ZALANOWSKI, 1984; CRIPE, 1986; DAVIDSON e POWELL, 1986; MADSEN et al., 1987; STEELE, 1987; MADSEN e FORSYTHE, 1987; MORTON et al., 1990).

A literatura científica tem categorizado dois estilos de música no estudo do comportamento do homem, ou seja, música estimulante e música sedativa. GASTON (1968), ao mencionar que a música provoca uma conduta orientada pelo afeto, afirma que "os tempos lentos, suaves (legato), as harmonias simples e leves variações da dinâmica musical, são características da música que tende a diminuir ou suavizar a atividade física e, possivelmente, a aumentar a atividade contemplativa dos indivíduos; os tempos ligeiros, as melodias executadas em stacatos, as harmonias complexas e dissonantes e as mudanças repentinas na dinâmica tendem a aumentar ou estimular a atividade física e, possivelmente, a atividade mental" (p.57). Em uma pesquisa, FISHER e GREENBERG (1972) afirmam que a música estimulante foi considerada, pelos sujeitos da mesma, "significativamente mais ampla, mais rápida, mais precisa, mais ativa, forte, mais desagradável, fria, mais excitante, e mais danosa, comparativamente à condição sem música. A música calmante foi considerada ser ampla, mais lenta, mais sombria, mais passiva, mais agradável, quente, e mais calma do que a condição sem música" (p.988).

Sob esta égide, ou seja, de estudar o efeito da música sobre a atenção no desempenho da tarefa, três hipóteses têm sido levantadas pela literatura em relação ao uso da música estimulante:

1. A música estimulante reduziria o comportamento repetitivo da criança, entendendo-se por repetitivo o comportamento auto-estimulativo (BERKSON e DAVENPORT; BERKSON e MASON, citados por REARDON e BELL, 1970);

2. A música estimulante, mais do que a sedativa, aumentaria o nível de atividade da criança (RIEBER; LEVIT e KAUFMAN, citados por REARDON e BELL, 1970), e

3. A música estimulante aumentaria a atividade da criança, enquanto que a sedativa ou não música diminuiria a mesma, sob o ponto de vista da musicoterapia (SLAUGHTER; SEARS; SHATIN, citados por REARDON e BELL, 1970).

Assim, a título de exemplo do uso da música estimulante, na sala de aula, citam-se as pesquisas de ZIMNY e WEIDENFELLER (1962) que, estudando os efeitos das músicas Último Movimento da Sinfonia do Novo Mundo de Dvorak e Ária na Corda Sol de Bach, estimulante e sedativa, respectivamente, observaram o comportamento de agitação em 18 crianças da pré-escola, 18 do terceiro e 18 do sexto ano do primeiro grau. Cada criança ouviu as duas músicas e a apresentação seqüencial das mesmas alternou-se de uma criança para outra (por exemplo, Dvorak e Bach; Bach e Dvorak). As crianças sentavam-se confortavelmente tendo as costas voltadas para a aparelhagem usada (gravador e galvanômetro). Adotou-se os seguintes procedimentos para a coleta dos dados de cada criança: instruções à criança e conexão do galvanômetro na mesma (5 minutos); medida pré-musica (1 minuto); medida da agitação durante a música (6 minutos); medida pós-música (1 minuto), e período de descanso na sala (3 minutos). Seguiu-se à mesma seqüência para ambas as músicas. Os pesquisadores observaram aumento de agitação diante da música estimulante; e com música sedativa perceberam decréscimo deste comportamento nas crianças.

Nesta mesma perspectiva, STRATTON e ZALANOWSKI (1984) con-duziram dois estudos determinando os efeitos de diferentes tipos de música de fundo e a vantagem que estes poderiam ter para melhorar a interação verbal de grupos pequenos, em sala de aula. Os alunos foram divididos em

(a) 4 grupos de música estimulante;
(b) 4 de sedativa, e
(c) 4 sem música, que se reuniram por quatro vezes, em uma semana.

No primeiro estudo, observaram-se 70 alunos universitários (33 homens e 37 mulheres). Uma folha com oito frases conceituais sobre adolescentes (DEW e PAVLETICH, citados por STRATTON e ZALANOWSKI, 1984) foi distribuída para encorajar a discussão em grupo. Nos 5 minutos iniciais, cada um dos sujeitos ordenou as frases começando por aquela que considerasse mais correta; nos 20 minutos restantes, o grupo precisou encontrar um consenso para ordenar as mesmas segundo o que julgasse mais correto; a música de fundo foi tocada assim que a discussão teve início. O grupo "a" ouviu as seguintes músicas estimulantes: Sinfonias nº 40 e 41 de Mozart, 4º Movimento; Concerto para Piano de Mozart, 3º Movimento, e Sinfonia Surpresa de Haydn, 4º Movimento; e o grupo "b" ouviu música sedativa: Sinfonia Surpresa de Haydn, 2º Movimento, e Sinfonias nº 40 e 41, de Mozart, 2º Movimento.

No segundo estudo, observaram-se 69 alunos universitários (31 homens e 38 mulheres). Com base em uma estória curta (quatro sentenças), onze frases conceituais foram elaboradas (HANEY, citado por STRATTON e ZALANOWSKI, 1984), as quais cada um dos alunos classificou como sendo verdadeira, falsa, ou incerta, nos primeiros 5 minutos. Nos 20 minutos seguintes, as músicas mencionadas anteriormente foram ouvidas durante a discussão.

Em ambos os estudos, verificou-se que os grupos sem música gastaram menos tempo em discussão e escolheram menos frases, comparativamente aos grupos com música estimulante e com a sedativa. Verificou-se ainda que a música sedativa levou os grupos a falarem mais sobre o assunto exposto, o que conseqüentemente aumentou o tempo da discussão. Desta forma, a música sedativa mostrou-se de grande benefício para aumentar o desempenho na interação verbal de um grupo. STRATTON e ZALANOWSKI (1984) levantaram a hipótese de que a música ajudaria os sujeitos a focalizarem sua atenção na tarefa, ignorando estímulos como barulho; a presença do gravador e o observador na sala, e, inclusive, a ansiedade dos indivíduos.

O efeito da música estimulante (jazz) sobre o comportamento infantil foi estudado em situações naturais por MILLER (1986). Este observou 95 crianças, de 3 a 5 anos de idade, de 8 salas de aula, durante 30 minutos (fase 1), e descreveu os comportamentos musicais naturais e a freqüência com que os mesmos ocorreram em interações com seus pares. Por meio destes dados construiu-se uma Matriz de Observação do Comportamento Musical com 30 dos comportamentos mais freqüentes, entre os quais incluíam-se: cantar, entoar ou movimentar partes do corpo; imitar ritmos espontâneos; imitar movimento corporal dos pares. Na segunda fase, gravou-se em videoteipe os comportamentos observados, codificando-os por meio de técnica de amostragem de eventos, de acordo com a Matriz. Nos seus resultados, a pesquisadora concluiu que as crianças foram mais receptivas à musica com tempos rápidos comparativamente aos lentos, e que as mais jovens expressaram seus sentimentos e pensamentos por meio da movimentação corporal.

CAMAS et al. (1990) também desenvolveram um trabalho com música estimulante e sedativa (não foram mencionados os nomes das mesmas) com crianças de 2 a 3 anos de idade, para verificar se as reações das mesmas assemelhavam-se as dos adultos. Cada sessão durou 30 minutos, dividida em três períodos de 10 minutos cada, ou seja, pré-apresentação, apresentação e pós-apresentação da música. As sessões foram gravadas em videoteipe e analisadas a cada 10 segundos, por amostragem de tempo. Analisou-se as posturas corporais das crianças nos três períodos. Com a música estimulante concluiu-se que as crianças ficavam

(a) mais sentadas depois da música, comparativamente a antes e durante,
(b) mais deitadas depois da música do que antes e
(c) mais em pé durante a música do que antes e depois.

O trabalho indicou que a música, que parece estimulante ao adulto, é também ativadora às crianças estudadas.
Nesta mesma linha com música estimulante, MARQUETTI (1994) investigou os efeitos da audição do 4º Movimento da Sinfonia nº 4, em fá menor, Opus 36, de Tchaikovski, sobre o comportamento de 8 crianças pré-escolares (4 meninas e 4 meninos de 5 a 6 anos de idade). As mesmas foram observadas, individualmente, por meio de videoteipe em duas situações: recreio e sala de aula. A música esteve presente apenas na situação recreio, durante a segunda semana de observação. A criança era focalizada nos 20 minutos de recreio, e logo após o mesmo, por 20 minutos, em sala de aula. Por meio da análise de variância, a autora conclui que os resultados demonstraram que a estimulação musical levou a um aumento na ocorrência de movimentos rítmicos (de dançar e reger), na situação recreio, prolongando-se em sala de aula.

Enquanto a música rock resiste como uma forma musical que ainda prevalece, sua possível utilidade na educação e na saúde é pouco explorada pelas ciências comportamentais. Numa revisão da literatura na pesquisa psicológica, educativa e musical, nota-se que poucos estudos vêm utilizando esta forma musical como estratégia educativa ou terapêutica em sala de aula, ou em centros de atendimento à saúde.

Numa linha de pesquisa sobre este ponto de vista, citam-se os exemplos: STEELE (1987) que estudou crianças de pré-escola no desempenho de outra tarefa que não matemática. Observou-se 15 crianças, 8 meninas e 7 meninos, com 4 e 5 anos de idade, em sessões de 45 minutos, durante trinta dias. Em um lado da sala de aula, foram colocados o gravador, com uma fita contendo as músicas de James Brown e "The Supremes", considerados "Soul-Rock"; fones de ouvido; um cronômetro, e "ingressos" que permitiriam as crianças entrar na área onde poderiam ouvir música. No outro extremo da sala, foram colocados quebra-cabeças, pinturas e livros. O objetivo enfatizado, usando a música como reforçador, foi o de aumentar o desempenho no manuseio dos livros, o que compreende folhear suas páginas de capa à capa, cuja atividade era considerada, pelo professor, de baixa preferência das crianças. A observação foi dividida em quatro fases:

a) linha de base I: por cinco dias, no decorrer de uma aula denominada e sistematizada como "livre", uma variedade de livros infantis se encontrava à disposição das crianças; um observador anotava o tempo gasto por elas no manuseio dos mesmos;

b) música contingente I: antes do início desta fase, a área musical foi apresentada às crianças, tendo as mesmas oportunidade de ouvir as músicas por meio dos fones de ouvido. As crianças foram orientadas de que, onde os livros estavam à disposição, receberiam ingressos para entrar na área de música. Nos primeiros dois dias, a criança recebia ingresso se folheasse metade do livro; nos oito dias restantes, o recebimento do ingresso era contingente à "leitura" do livro todo;

c) linha de base II: repetiu-se a fase linha de base I, por cinco dias, e

d) música contingente II: repetiu-se a fase música contingente I, durante dez dias.

A autora afirma que o desempenho na "leitura" aumentou quando a música foi contingente à mesma; este desempenho prolongou-se ao primeiro dia imediatamente após a retirada da música (LB II). Segundo STEELE (1987), os períodos com música mostraram-se eficientes enquanto estímulo reforçador. Nesse mesmo sentido, MOWSESIAN e HEYER (1973) descobriram que o rock não favoreceu à distração e nem a efeitos adversos na auto-avaliação dos alunos de primeiro ano do segundo grau; SMITH e MORRIS (1976) analisando três grupos de alunos de psicologia, em situação de teste, com música sedativa e estimulante segundo GASTON (1968), verificaram as hipóteses:

a) a música sedativa reduziria a emotividade, mas não teria efeito sobre a ansiedade;
b) a música estimulante (por exemplo, rock em roll) aumentaria a emotividade, mas não teria efeito sobre a ansiedade, e
c) a música estimulante e sedativa não teria efeito na expectativa ou no desempenho da tarefa. Os pesquisadores concluíram que a música estimulante manteve o nível da emotividade, podendo ser útil na atividade cognitiva; a música sedativa, no entanto, ao contrário da expectativa, não facilitou a redução da emotividade. WILSON e AIKEN (1977) ao pesquisarem reações afetivas, subjetivas e fisiológicas com música rock / rock and roll e jazz em 58 alunos universitários, encontraram respostas fisiológicas genéricas, consistindo em diminuição de resistência da pele e alterações na freqüência cárdio-respiratória; estes resultados revelaram aumento na prontidão dos alunos às tarefas propostas, o que vem a confirmar resultados de outros pesquisadores (PHARES, 1934; ZIMNY e WEIDENFELLER, 1962; WEIDENFELLER e ZIMNY; ZIMNY e WEIDENFELLER citados por WILSON e AIKEN, 1977).

Sob estas mesmas perspectivas, sala de aula e música rock, GODELI et al. (1993) realizaram um estudo com 27 crianças de 4 a 6 anos de idade, às quais eram apresentadas, em intervalos de 10 minutos, músicas folclóricas e "rock and roll - heavy metal", como música de fundo durante atividades em sala de aula. Cada sessão focalizava uma criança que era observada por amostragem de tempo a cada 10 segundos, perfazendo um total de 30 minutos (Pré-música, Com-música e Pós-música). Registrou-se freqüências das seguintes categorias comportamentais: Espaço (próprio; do outro; em locomoção); Postura (de pé; sentado) e Interações sociais (com a professora; com outras crianças). Dos resultados obtidos alguns sugerem que o alvo de interação seja uma variável relevante a se observar em futuros estudos sobre influência da música nas interações sociais, pelo menos às condições das classes de pré-escola.

Quanto à literatura disponível da música rock na pesquisa com meninos hiperativos, localizou-se dois trabalhos, ou seja, o de SCOTT (1970) e o de CRIPE (1986) o qual inspirou esta Tese no estilo da música utilizada.

SCOTT (1970) desenvolveu uma pesquisa com o propósito de demonstrar objetivamente que meninos hiperativos são mais produtivos, na realização de tarefas acadêmicas, quando ouvem música de fundo. O estudo desenvolveu-se com quatro meninos, de 7 a 11 anos de idade, em uma clínica de tratamento para crianças que não podiam freqüentar escola regular por apresentarem problemas emocionais ou comportamentais. O aspecto comum entre os meninos foi a hiperatividade, que variou de "moderada" a "moderadamente severa" . Para o desenvolvimento da pesquisa utilizou-se uma sala de aula, pertencente à clínica, tendo três cabines, com apenas três laterais cada uma, em uma das paredes da mesma. Em cada cabine encontravam-se uma carteira e uma cadeira que poderiam ser locomovidas, e os meninos quando estavam nas mesmas não se viam, porém podiam ouvir um ao outro, significando para o autor redução na interação social e no nível de estímulo ambiental.

Para se medir a produtividade acadêmica, problemas matemáticos foram dados aos meninos, sob quatro condições diferentes com duração de dez minutos cada uma. A primeira condição realizou-se em uma situação "normal" de sala de aula; os meninos sentaram-se em carteiras como se estivessem em uma sala de aula de uma escola pública. A segunda condição foi idêntica à primeira, com exceção da presença de música de fundo. A terceira foi realizada dentro das cabines, sem música; sendo que a quarta condição foi igual à terceira, porém com música. As músicas utilizadas foram "Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band" e "Magical Mystery Tour", composições dos Beatles, e eram do conhecimento dos meninos. Os testes foram realizados em quarto dias alternados, no mesmo horário.

Os resultados relatados pelo pesquisador foram analisados por meio da análise de variância de Friedman para dois fatores, e mostraram diferenças significativas a nível de 0,03 entre as condições. A comparação estatística entre pares de condições não foi possível devido ao número reduzido do grupo. Entretanto, os dados mostraram que os meninos na segunda, terceira e quarta condição apresentaram melhor desempenho na realização da tarefa acadêmica, comparativamente à primeira condição (situação "normal" de sala de aula, sem música). Observou-se também que três dos quatro meninos apresentaram melhores resultados nas condições com música.

O autor afirma que os dados não são conclusivos por se referirem a um pequeno grupo, sugerindo estudos com um número maior de meninos hiperativos.

Esta mesma linha de pesquisa, música rock e meninos hiperativos, foi desenvolvida por CRIPE (1986) baseando-se em conceitos derivados da Attention Deficit Disorder (ADD; DSM-3) e da psicologia da música. Neste estudo exploratório alguns conceitos foram estudados:

· Conceito 1. "O ritmo e a intensa batida repetitiva da música rock estimula prontidão elevada do cérebro. Crianças com ADD têm um número mais alto de ondas alfa do que crianças "normais", no eletroencefalograma (EEG). Isto indica um baixo nível de prontidão e de atividade dirigida pelo cérebro. Além do mais, a música tem a habilidade de sensibilizar crianças, sem considerar o nível intelectual destas".
· Conceito 2. "A batida rítmica proeminente da música rock controla a distração em relação aos estímulos ambientais, produzindo respostas orientadas nas crianças com ADD. As mesmas facilmente se distraem e têm uma atenção curta e rápida para a idade delas. A música com ritmo marcado reduziria a distração em relação aos estímulos do meio, permitindo à criança se concentrar por mais tempo em um único estímulo".
· Conceito 3. "A música rock com sua batida repetitiva tende a reduzir a tensão muscular, resultando em diminuição da atividade motora; as crianças com ADD caracterizam-se por maior tensão muscular. A atividade motora involuntária e sem propósito diminuíra diante da redução da tensão muscular".

CRIPE (1986), usando estes modelos conceituais, formula a hipótese: "quando a música rock com batida intensa for introduzida como estímulo ambiental, a criança com Attention Deficit Disorder reduzirá seu nível de atividade e apresentará um tempo de atenção prolongado".
Foram estudados 8 meninos de 6 a 8 anos de idade que preenchiam os seguintes critérios:

a) estarem na idade escolar pré-adolescente;
b) receberem cuidados regulares de um pediatra;
c) serem previamente diagnosticados como hiperativos ou como tendo ADD;
d) apresentarem as características estudadas na pesquisa; e
e) estarem tomando medicação estimulante regularmente.

O estudo desenvolveu-se em uma sala de jogos com visor unilateral; a mesma foi dividida em quatro áreas diferentes com dimensões e equipamentos idênticos. A sala apresentava um sistema de som que incluía fones de ouvido (sem fio) para as crianças usarem durante a sessão.

Cada menino participou em duas sessões, sendo ele mesmo seu controle. Cada sessão era composta por 10 minutos sem música e 10 com música; uma sessão ocorreu de manhã e outra no fim da tarde ou começo da noite. Estas realizaram-se em dias diferentes com intervalo de uma semana. Na primeira sessão não se planejou atividade para a criança e, na segunda, o pesquisador ofereceu ao menino três desenhos que exigiam concentração e o ajudou a escolher um deles para ser pintado durante a observação.

A música foi ouvida por meio de fones de ouvido, durante a parte musical das sessões; as seleções musicais foram instrumentais, sem palavras; a linha melódica era clara e o ritmo predominante e repetitivo. O volume de audição da música foi no máximo de 58 decibéis (db). No decorrer das sessões dois observadores registraram as atividades dos meninos por meio de uma lista de comportamentos, tais como: verbalizar / cantar; andar; atravessar as áreas divididas; pular; correr; sentar quieto; ficar parado; chorar / rir; pernas agitadas; braços agitados e arranhar. Os observadores não sabiam quando a música estava sendo tocada e a fidedignidade entre os mesmos foi de 0,95 e 0,97.
Usou-se um esquema fatorial com medições repetitivas: música (música e não música) e tempo (manhã e tarde). Os fatores música e tempo foram analisados separadamente por meio de uma análise estatística de variância.

Os resultados revelaram um efeito estatisticamente significativo da música rock no nível da atividade: durante as partes sem música, registrou-se mais momentos significativos de atividade para cada menino, como também para todo o grupo. O período da sessão não mostrou efeito significativo.

A autora da pesquisa, ao concluir seu relato, aponta algumas limitações, tais como: tamanho do grupo estudado; o processo de seleção dos meninos o que conduziu a resultados genéricos, e a observação individual de cada menino porque, no cotidiano, o mesmo vive em grupo. Apesar destas limitações, CRIPE (1986) afirma que as sugestões fornecidas pelo estudo mostram a utilidade da música numa terapia, como auxiliar da mesma.

SOUZA (1990) dando continuidade ao estudo iniciado em 1988 gravou a movimentação corporal de um dos meninos (sorteado) indicados, por sua professora como irrequieto. Em sala de aula, no decorrer da aula, foi desenvolvido o seguinte procedimento: após 5 minutos de iniciada a aula, a professora (anteriormente solicitada) escrevia na lousa tarefas relativas a matemática e a língua portuguesa, as quais as crianças tinham que copiar e resolvê-las nos próprios cadernos.

Usando a música rock Trilogy do compositor MALMSTEEN (Anexo 8) desenvolveu-se o seguinte desenho experimental:

(1) situação de 15 minutos, sem música;
(2) situação de 15 minutos com música, e
(3) situação de 15 minutos sem música, durante uma sessão com duração de 45 minutos.

Foram analisados apenas os 5 últimos minutos de cada uma das situações:

(1) antes da música;
(2) durante da música, e
(3) depois da música.

A gravação em videoteipe foi transcrita, registrando-se os seguintes eventos: movimento e repouso das partes do corpo: olhos, braços e mãos, pernas e pés. Os movimentos e repousos foram categorizados para cada parte do corpo, segundo Sistemas de Categorias de SOUZA (1985), seguindo-se a análise dos índices: Ritmo (M / R) e Alternância (M-OM) (Anexo 9).
Os dados analisados mostraram que:

(1) Pelo índice Ritmo, nota-se uma freqüência média maior em olhos (7.0) na situação Antes da Música; na situação Durante a Música a freqüência é comparativamente menor (2.0), apresentando um ligeiro aumento Depois da Música (4.7). Isto pode significar que os olhos na situação Antes da Música mostraram um esquadrinhamento do ambiente com pouca interrupção (repouso), havendo predominância de movimento; enquanto que na Durante a Música a interrupção (repouso) foi maior. Em braços e mãos, pernas e pés, as freqüências foram residuais.
Observou-se que na situação Durante a Música o total de movimentos de olhos foi direcionado à lousa e caderno, enquanto que nas demais situações, Antes e Depois da Música os movimentos distribuíram-se entre as demais categorias.

(2) Pelo índice Alternância, nota-se que em olhos a porcentagem foi pouco maior na situação Durante a Música (83,1), comparativamente às porcentagens nas situações, Antes da Música e Depois da Música (78,2, 81,2, respectivamente). Em braços e mãos a porcentagem é acentuadamente menor Durante a Música (45,7), comparativamente à porcentagens Antes da Música e Depois da Música (65,5; 55,5, respectivamente). Pernas e pés apresentou menor porcentagem na situação Durante a Música (17,5), comparativamente às duas outras situações Antes e Depois da Música; 27,4 e 28,3, respectivamente).

Embora os dados sejam restritos, os resultados reforçam os dados da autora, em 1985, em termos dos índices utilizados, e parece ressaltar a influência da música rock sobre a movimentação corporal da criança indicada como irrequieta, por sua professora.

MORTON et al. (1990) estudaram o efeito da música "The Wall", de Pink Floyd, sobre a atenção e a memória em 16 meninos de 10 a 12 anos de idade, em sala de aula; os mesmos foram divididos em dois grupos (8 meninos em cada grupo), e cada um deles foi avaliado em situações distintas: com música e sem música. Nos primeiros 5 minutos, cada grupo, um com música e outro sem música, recebeu um formulário de identificação para preencher com nome, idade, escola, etc., e para familiarizar-se com a tarefa que consistia de 24 testes de seqüências numéricas de um dígito. Em seguida, os dois grupos com fone de ouvido, iniciaram uma fase de aquecimento na qual o grupo, que anteriormente ouviu a música, realizou a tarefa sem música, e vice-versa. A tarefa, com duração de 10 minutos, desenvolveu-se nas condições

(a) livre, na qual as crianças anotavam os dígitos que lembravam ter ouvido;
(b) na condição de estímulo dado ao ouvido esquerdo, na qual as crianças deveriam relatar somente os dígitos ouvidos do lado esquerdo do fone, e
(c) na condição de estímulo dado ao ouvido direito, na qual as crianças deveriam escrever somente os dígitos ouvidos pelo lado direito do fone.

Os grupos ouviram, simultaneamente, as informações do procedimento da tarefa e as seqüências numéricas dadas pelos pesquisadores. O grupo, na situação com música, anotava somente os dígitos ouvidos no lado direito do fone, por exemplo, enquanto que o outro, na situação sem música, registrava somente os dígitos ouvidos no lado esquerdo do fone. A título de exemplo da tarefa realizada, cita-se que: os grupos ouviam três pares de dois dígitos, num total de seis números (1-4, 5-2, 2-0); o grupo que deveria responder ao estímulo dado ao ouvido esquerdo, anotaria os dígitos 1, 5, e 2, e aquele que deveria responder ao estímulo dado ao ouvido direito, escreveria os números 4, 2, e 0. A apresentação das seqüências numéricas alternava-se no decorrer do experimento, sendo que entre um teste de seqüência e outro, havia um intervalo de 11 segundos, no qual as crianças anotavam o que tinham ouvido.

Segundo a análise de variância ANOVA, os pesquisadores relatam ter obtido os seguintes resultados:

1) o grupo, que ouviu a música durante a tarefa, mostrou significativa concentração e memória na realização da mesma [F(1, 14) = 11,51, p<0,01];
2) para o grupo que, na situação com música, discriminou os dígitos com o ouvido esquerdo, a média de acertos foi de 15,6; e com o ouvido direito a média foi de 15,1, e
3) o grupo que, na situação sem música, apresentou média de acertos de 13,1 para o ouvido esquerdo e média de 14,1 no direito, em relação às discriminações dos dígitos.

De acordo com estes resultados, os pesquisadores afirmam que a hipótese de que a música ativa diferencialmente o hemisfério direito, em comparação ao esquerdo, não se confirmou (ouvido esquerdo = 15,6; ouvido direito = 15,1).

Genericamente, MORTON et al. (1990) ressaltam os benefícios da música sobre

(a) a capacidade de atenção e memória e
(b) sobre a distração.

Para os pesquisadores os estudos sobre os efeitos induzidos pela música podem ser promissores na campo da pesquisa e da terapia em relação aos comportamentos pertinentes à realização de tarefas, em sala de aula; esta afirmação é reforçada por outros pesquisadores, tais como: (ZIMNY e WEIDENFELLER, 1962; REARDON e BELL, 1970; ROSS, 1976; FURMAN, 1978; GREGORIE, 1984, DAVIDSON e POWELL, 1986; MADSEN et al., 1987; LINDSEY e NORMAN; ROSS citados por MORTON et al., 1990).

Nesta mesma linha de pesquisa, relação entre cérebro e música, LENG et al. (1990) desenvolveram um trabalho que simulou o funcionamento do córtex cerebral em colunas hexagonais, divididas em minicolunas triangulares chamadas "tríons". O mesmo foi realizado dando informações sobre "campos musicais" a um sintetizador, programado para utilizar um modelo probabilístico de Mountcastle (citado por LENG et al., 1990) e o modelo de funcionamento neuronal do córtex "tríon".

Os autores comentam que a proficiência em música, matemática e xadrez, resulta dos mais altos processos cerebrais. Concluem que a música é muito útil para compreender o funcionamento das funções corticais superiores ("uma janela"). No modelo desenvolvido pelos pesquisadores, "a música é considerada um pré-linguagem universal, presente em todos os seres humanos desde o nascimento, que poderia servir de base para a elaboração de outras linguagens" (GUROVITZ, 1993, p.1-16).