Vera Pessoa
PSICÓLOGA



TESE DE DOUTORADO
Indice



10
DISCUSSÃO SOBRE A INFLUÊNCIA DA MÚSICA ROCK


10.1 Avaliação observacional da movimentação corporal de meninos hiperativos e grupo controle, na presença e ausência de música rock, em sala de aula

 

10.1.1 Diagnóstico da hiperatividade

Devem ser ressaltados, a "priori", os resultados correspondentes aos métodos utilizados para o diagnóstico da hiperatividade. Tais resultados devem ter o seu significado enfatizado quando são contrastados com os conceitos de "alta atividade corporal constante", "criança correndo de um lado para outro", "agitação constante", "irrequieto" e "demasiadamente ativo", usualmente utilizados para a rotulação da síndrome da hiperatividade.

Nesta linha de raciocínio, são enfáticos os resultados conseguidos, ao indicarem que é a quantidade de movimento corporal que diferencia o menino hiperativo do menino normal, conclusão, aliás, idêntica à que chegaram CAMPBELL (1959); McCONNELL e CROMWELL (1964); RUTTER (1967); CONNERS (1969); DAVIDS (1971); TOBIESSEN (1971); CONNERS (1973); WERRY et al. (1975); ABIKOFF et al. (1977); SPRING et al. (1977); ACHENBACK e EDELBROCK (1978); ABIKOFF et al. (1980).

Efetivamente, ao longo da situação Antes da Música, por meio do teste estatístico multivariado (MANOVA; Tabela 17, p.123a), verificou-se se a movimentação corporal do grupo hiperativo não se assemelhava ao do grupo controle (Movimento: t = 9,630, p < 0,05 e Alternância: t = 7,75, p < 0,05). Desta forma, fica evidente a movimentação corporal qualitativa e quantitativa dos citados grupos; significando que o movimento corporal qualitativo, medido pelo índice Alternância, é também elemento de inter e intra-discriminação dos grupos. Em relação ao índice Ritmo, por meio da análise descritiva, observou-se que o grupo hiperativo apresentou maior porcentagem de movimentos rítmicos Antes da Música (41,0), comparativamente ao grupo controle (34,0). Esses resultados evidenciam que os grupos estudados diferenciaram-se pela quantidade e pela qualidade do movimento corporal, em sala de aula.

Os resultados acima relatados fazem sentido com os apresentados pela literatura, quando indicam que é a quantidade de movimento que leva o adulto a perceber o menino hiperativo (KNOBEL et al., 1959; CHESS, 1959; McCONNELL e CROMWELL, 1964; EISENBERG, 1966; STEWART et al., 1966; RUTTER, 1967; WERRY, 1968a, 1968b; PAINE et al., 1968; APA, 1968; CONNERS, 1969; KEOGH, 1971; WERRY e QUAY, 1971; DAVIDS, 1971; TOBIESSEN et al., 1971; WENDER, 1974; WERRY, et al., 1975; SIMPSON, 1977; SPRING et al., 1977; ABIKOFF et al., 1977; LEVRÈFE et al., 1978; POGGIO e SALKIND, 1979; RUTTER, 1978; APA, 1980; ABIKOFF et al., 1980; SANDBERG et al., 1980; BARKLEY, 1982; SHAYWITZ e SHAYWITZ, 1984; WHALEN e HENKER, 1984; ABIKOFF e GITTELMAN, 1985b; CAMPBELL, 1985; PRIOR e SANSON,1986; SILVER, 1986; WERRY et al., 1987; BRITO, 1987; ACHENBACH et al., 1987; APA, 1987; SZATMARI et al., 1989; FRICK et al., 1991; FRICK e LAHEY, 1991; OMS,1993). No entanto, os resultados desta pesquisa mostraram que a qualidade da movimentação é, também, significativa para a identificação do menino hiperativo (LAMBERT et al., 1978; LONEY e MILICH, 1982; WHALEN e HENKER, 1984; SOUZA, 1985, 1988, 1989; SOUZA e CARVALHO, 1989). Provavelmente, a observação cuidadosa de ambos os tipos de movimentação corporal possa contribuir para a identificação mais criteriosa do grupo hiperativo, como sugerem CONRAD e TOBIESSEN (1967); KEOGH (1971), DELONG (1972), KOLVIN (1977), RUTTER (1978), POGGIO e SALKIND (1979), SHAYWITZ e SHAYWITZ (1984), AMAN (1984); WHALEN e HENKER (1984), SOUZA (1985), PRIOR e SANSON (1986), WERRY et al. (1987), HINSHAW (1987); CATALDO (1987); FRICK e LAHEY (1991), SCHACHAR (1991). Torna-se necessário maiores investigações sobre esta hipótese explicativa, tendo em vista suas implicações para a prática educativa. Quanto a esta, ressalta-se o significado do depoimento dado por JOHN P. COALE, procurador da justiça da Geórgia, Estados Unidos (citado por COWART, 1988), quando, sensibilizado com a questão da medicação metilfenidato, com efeito de aproximadamente 4 horas (GRAEFF, 1989), dada nas escolas às crianças diagnosticadas como hiperativas, afirma que, "basicamente, a mesma é uma droga para controlar crianças; elas se sentam de maneira quieta e não aborrecem os professores... Na hora do almoço, nas escolas, há uma fila de criancinhas aguardando para tomar remédio psiquiátrico". Neste depoimento de significativa importância para a área da educação, ciência e saúde, COALE faz uma crítica à sociedade psiquiátrica afirmando que a mesma, ao permitir o uso da medicação em crianças com diagnóstico de hiperatividade, segundo classificação da Associação Psiquiátrica Americana (APA, 1968, 1980 e 1987), está compactuando com um documento político. As normas para esta classificação não estão embasadas em estudos científicos, segundo COALE.

É enfatizado, por OLIVEIRA (1994), que durante a Segunda Guerra, o uso da medicação estimulante era comum nas tropas americanas e inglesas para evitar fadiga e, após a guerra no Japão, cerca de 1 milhão de trabalhadores (para uma população de 83 milhões de habitantes) utilizaram-na a fim de aumentar a produtividade. Na década de 60, nos Estados Unidos, verificou-se um acentuado aumento no uso de anfetaminas, especialmente entre motoristas de caminhões e estudantes. Em 1985, um estudo com 8.038 pessoas aleatoriamente entrevistadas mostrou uma prevalência do uso de anfetaminas de 4,4% nos adolescentes entre 12 a 17 anos; de 10,4% nos jovens de 18 a 25 anos e 2,7% naqueles acima de 25 anos de idade. OLIVEIRA (1994) prossegue afirmando que, em 1979, uma série de pesquisas realizadas em Ontário (Canadá) mostrou que dos alunos do último ano do segundo grau, 9% deles utilizaram a droga, sendo que a porcentagem aumentou para 23% em 1983, atingindo, desde então, um platô. Nos Estados Unidos a situação era semelhante, evidenciando-se uma porcentagem de 20%, na mesma população, em 1983. No Brasil, o índice de uso de anfetaminas variou de 1,4% a 3,6% entre os estudantes de primeiro e segundo graus da rede pública, de dez capitais brasileiras.

Ressalta-se, aqui, que foi neste contexto social que a música rock deu sua expansão e que, esta, segundo CHACON (1983), "é muito mais do que um tipo de música: ele (o rock) se tornou uma maneira de ser, uma ótica da realidade, uma forma de comportamento". Esta afirmação é observada no desenvolver desta música ao longo da sua história (MUGGIATI, 1981; CHACON, 1983; MUGGIATI, 1985 e PARAIRE, 1992).

Uma vez mais, depara-se na área da saúde e da educação com questões que podem ser interpretadas como respostas aos conflitos desenrolados no contexto social mundial vigente na década de 60: guerra do Vietnã, corrida espacial, política de integração racial obrigatória nas escolas implantadas por Kennedy e sistema escolar americano em crise. Assim, tais problemas, provavelmente, conduzem à legitimação de teorias, tais como disfunção cerebral mínima, déficit de atenção, hiperatividade, problemas de aprendizagem e outras, que não apresentam mudanças significativas em suas estruturas, sem qualquer fundamentação empírica e que desconsideram o sistema sócio-político da época (MOYSÉS e COLLARES, 1992). Estas posturas teóricas refletidas nos "índices de medida da hiperatividade" podem estar mais a serviço do sistema - ao diagnosticarem e usarem medicações mais comprometedoras do que benéficas - e menos comprometidas com a aprendizagem e o desenvolvimento natural do organismo da criança, em especial com o do menino hiperativo.

Ademais, investigações têm mostrado que efeitos colaterais podem ocorrer com a medicação utilizada no tratamento de crianças vistas como hiperativas, entre esses são apontados a sensação de fadiga, aumento da atividade motora, irritação, inquietação, confusão mental, anorexia, dor abdominal, tontura, aumento na freqüência cardíaca, supressão do crescimento e acentuada dependência psicológica (GRAEFF, 1989; OLIVEIRA, 1994).

Visto sob o ângulo emocional, características pertencentes à conceituação da hiperatividade, tais como distúrbio da aprendizagem, problemas comportamentais na escola, depressão, mania, doença maníaco-depressiva, distimia, hipomania e ciclotímia, estão sendo vistas e tratadas, atualmente, como distúrbios afetivos (FROMMER, 1967; WEINBERG et al., 1973; WEINBERG e BRUMBACK, 1976; BRUMBACK e WEINBERG, 1977; BRUMBACK et al., 1977; BRUMBACK et al., 1980; STATON et al., 1981; ROBERTS et al., 1981; BRUMBACK e STATON, 1981, 1982, 1983; KASHANI et al., 1983; RASKIN, 1984; BRUMBACK et al., 1984; HANSEN e COHEN, 1984; BRUMBACK, 1985; LIVINGSTON, 1985; DULCAN, 1985; VARLEY, 1985; WEINBERG e McLEAN, 1986; WEINBERG e EMSLIE, 1988; WEINBERG et al., 1989; BRUMBACK e WEINBERG, 1990; DuPAUL et al., 1991; ROBINS, 1992; SHAYWITZ et al., 1992; SILVER, 1992). Segundo constatações acima mencionadas, ou seja, os efeitos colaterais dos estimulantes, supõe-se que a medicação utilizada no tratamento dos considerados distúrbios afetivos também pode comprometer o desenvolvimento natural da afetividade do menino em questão.

As constatações acerca do comprometimento dos métodos de diagnóstico e, conseqüentemente, do tratamento dado pela área da saúde e da educação ao menino hiperativo, despertam os anseios e esperanças de que a ciência possa, com a afetividade que uma criança merece, buscar alternativas condizentes com a natureza humana para o tratamento das mesmas em sala de aula, em especial, ao menino hiperativo neste contexto social (MOYSES e SUCUPIRA, 1988; ARANHA, 1991).

 

10.1.2 Efeito da música sobre o movimento corporal

Estudos recentes sobre o efeito da música no comportamento da criança têm concluído que a mesma provoca um estado emocional geral, cuja energia desencadeada relaciona-se positivamente com o grau de prazer experienciado (NOY, citado por SMITH e MORRIS, 1976), facilitando, provavelmente, a atenção (MOWSESIAN e HEYER, 1973; SMITH e MORRIS, 1976; WILSON, 1976; WILSON e AIKEN, 1977; DAVIDSON e POWELL, 1986; CRIPE, 1986; MORTON ET AL., 1990), o desempenho apropriado à tarefa escolar (SMITH e MORRIS, 1976; WILSON e AIKEN, 1977; STEELE, 1987; MADSEN e FORSYTHE, 1987) e a capacidade de memorização (MORTON et al., 1990). Nesta mesma linha de raciocínio sobre o papel da emoção e energia despertadas pela música, LENG et al. (1990) sugerem que as mesmas podem ser controladas por muitos neuromoduladores, o que provavelmente, segundo perspectivas da atual pesquisa, poderiam atuar sobre a atenção, o desempenho, a capacidade de memorização e a um direcionamento funcional do movimento corporal do menino hiperativo.

O movimento corporal visto sob a influência da música considerada estimulante foi estudado por GASTON, 1968; FISHER e GREENBERG, 1972. MARQUETTI (1994) em um estudo com crianças da pré-escola (5 a 6 anos de idade), em situação sala de aula e recreio, encontrou um direcionamento da movimentação corporal, como por exemplo dançar, reger e andar durante a música.

Quando comparado o efeito da música rock Trilogy dentro de cada grupo, notou-se diferença significativa entre a situação Antes da Música, comparativamente às outras duas situações: Durante e Depois da Música, nos índices Movimento e Alternância (Movimento: F = 14,362, p < 0,005; Alternância F = 15,414, p < 0,05) e ao grupo controle (Movimento: F = 0,740, p > 0,05; Alternância: F = 1,828, p > 0,05), mostrada nas Tabela 11, 13 e 17 (p.112, p.116 e p.123a, respectivamente).

Esses resultados são sugestivos se entendidos como hipótese de que "a escolha da criança na seleção de seus próprios movimentos" (VYGOTSKY, 1991) pode favorecer à atenção e à funcionalidade do Movimento relativamente à Tarefa Não-Verbal, proposta nesta pesquisa (VYGOTSKY, 1977). No estudo presente houve uma diminuição quantitativa do movimento corporal, durante a música, medido pelo índice Movimento, e dos movimentos alternados - medidos pelo índice Alternância - "hesitantes e difusos, diante de vários estímulos" (VYGOTSKY, 1991, p.38).

A análise descritiva, neste trabalho, apresentou os mesmos resultados para os índices Movimento e Alternância em ambos os grupos estudados. O grupo hiperativo mostrou, Antes, Durante e Depois da Música, no índice Movimento as porcentagens: 41,0, 29,0 e 30,0, respectivamente; e em Alternância: 43,0, 27,0 e 30,0, respectivamente. O grupo controle apresentou, Antes, Durante e Depois da Música, as seguintes porcentagens em Movimento: 35,0, 32,0 e 33,0, respectivamente; e em Alternância: 37,2, 30,7 e 32,1, respectivamente.

Comparando esses resultados obtidos com os de pesquisadores que desenvolveram trabalhos nessa mesma linha, com música estimulante, observa-se que a mesma ativou comportamentos de agitação, medidos por galvanômetro, em crianças de 6, 9 e 12 anos de idade (ZIMNY e WEIDENFELLER, 1962), de movimentar partes do corpo (cantar, imitar ritmos espontaneamente, etc.), em crianças de 3 a 5 anos de idade (MILLER, 1986), de postura (ficar de pé) em crianças de 2 e 3 anos de idade (CAMAS et al., 1990) e de interações sociais em crianças de 4 a 5 anos de idade (GODELI et al., 1993).

Num primeiro instante, os resultados relatados pelos autores mencionados parecem contrapor-se àqueles apresentados nesta pesquisa, a qual não registrou Durante a Música aumento quantitativo e nem qualitativo no movimento corporal nos grupos estudados, em especial no grupo hiperativo. Provavelmente, isto se deve tanto às diferenças de idade entre as crianças estudadas, quanto aos eventos registrados, bem como ao método empregado nesta pesquisa, o qual descreve o fenômeno e o analisa dentro de uma concepção etológica, buscando a funcionalidade da atividade da criança, em sala de aula; e esta, é descrita pelo movimento corporal nas dimensões da movimentoção da criança, na postura em que o movimento ocorre , e na natureza dos movimentos, na qual encontram-se as ocorrências interativas (SOUZA, 1985; SOUZA e CARVALHO, 1989; SOUZA, 1990).

Por outro lado, reportando aos resultados da presente pesquisa nas situações Durante e Depois da Música, os mesmos assemelham-se aos relatados por MARQUETTI (1994), que mostrou não ter encontrado diferença significativa na quantidade do movimento corporal comparativamente à linha de base e àquela obtida depois da audição da música de Tchaikovski. Observa-se que esse estudo inspirou-se numa abordagem etológica, para a descrição dos comportamentos observados.

Nesta mesma linha, os resultados da presente pesquisa assemelham-se aos relatados por pesquisadores que, igualmente, utilizaram o mesmo estilo musical e estudaram o nível de atividade da criança, mostrando diminuição do mesmo. Neste aspecto, STEELE (1987) observou que com música soul-rock aumentou a atenção das crianças na leitura de livros; WILSON e AIKEN (1977), usando música rock and roll, descrevem que as crianças aprenderam a usar comportamentos mais aceitáveis e compatíveis com a concentração e desempenho na tarefa, assim como movimentos corporais sincronizados à música; CRIPE (1986) notou que, durante as sessões com música rock, cujo nome não foi citado, os meninos hiperativos ou com déficit de atenção (ADD) diminuíram comportamentos de pular, correr, agitar as pernas, etc., e MORTON et al. (1990) ressaltaram os benefícios da música rock progressivo sobre a capacidade de atenção, memória e redução da distração.

Baseando-se nas pesquisas de CRIPE (1986, p.33) e MORTON et al. (1990), algumas observações significativas foram consideradas. CRIPE afirma que "o ritmo e a intensa batida repetitiva da música rock estimula prontidão elevada do cérebro", principalmente nas "crianças com ADD que têm número mais elevado de ondas alfas do que as normais". Pensar sobre a música é concebê-la como um todo, ou seja, no ritmo está contida a melodia que, por sua vez, contém a harmonia, os quais não devem ser considerados como elementos separados uns dos outros. O ritmo sonoro,

"pelos seus elementos de duração e de intensidade, provoca flutuações na altura do som, introduz-nos assim no campo melódico; do mesmo modo, uma melodia bem equilibrada contém já na sua estrutura os acordes destinados a dar-lhe suporte harmônico... transpondo estas relações diremos que a melodia contém necessariamente o ritmo e que a harmonia contém a melodia e o ritmo" (WILLEMS, 1970, p.11).

Comparem-se, agora, tais assertivas aos achados da presente pesquisa: a música teve efeito sobre a movimentação corporal do grupo hiperativo, devendo ser considerada como uma totalidade entre seus elementos, segundo WILLEMS (1970). Provavelmente, os resultados obtidos neste estudo advêm do papel que a música assume para um determinado grupo, dentro de um contexto social (DALCROZE, 1925; ANDRADE, 1937; VILLA-LOBOS, 1937; LUNDIN, 1953; WILLEMS, 1961; GONZALEZ, 1963; GAINZA, 1964; BAREILLES e ZEN, 1964; COMPAGNON e THOMET, 1966; NORDOFF, 1971; JORGENSON, 1974; JANNIBELLI, 1980; MÁRSICO, 1982; GIOS, 1983; GUNSBERG, 1988; GAINZA, 1988; HARGREAVES, 1988; BENENZON, 1988; TAME, 1990; SCHAFER, 1991; GUNSBERG, 1991a ,1991b, SEKEFF, 1994). Nesta pesquisa, a música conceituada como signo auxiliar pode "romper com a fusão entre o campo sensorial e o sistema motor, tornando possível assim, novos tipos de comportamento" (VYGOTSKY, 1991, p.39). Desta forma, supõe-se que a música, na sua totalidade, penetra como um todo no interno do grupo hiperativo e, que, provavelmente, "reestrutura a totalidade do processo psicológico, tornando a criança capaz de dominar seu movimento... para atividades intelectuais superiores" (VYGOTSKY, 1991, p.40). Estes pressupostos requerem investigações, tendo em vista seus comprometimentos na prática educativa, em especial.

MORTON et al.(1990), por outro lado, mencionaram que a música teve "efeito prolongado semelhante ao provocado pela ritalina em crianças hiperativas" (p.203). Na presente pesquisa, constatou-se que a música continuou atuando sobre movimento corporal do grupo hiperativo, mesmo após sua retirada. No entanto, este efeito paradoxal prolongado - isto é, a música estimulante ativando "a atenção, memória e redução da distração" (MORTON et al., 1990, p.206), semelhantemente à medicação estimulante - se considerado como hipótese aceitável, há que se levar em conta a distância entre o método da atual pesquisa e a própria hipótese. Visto por outro ângulo, a literatura sobre medicação aponta resultados contraditórios sobre o efeito da medicação estimulante na criança hiperativa (RASKIN et al., 1984; WHALEN e HENKER, 1984; SHAYWITZ e SHAYWITZ, 1984; COWART, 1988; GRAEFF, 1989; SCHATZBERG e COLE, 1993; OLIVERA, 1994).

Finalmente, aceitar, somente, a hipótese de que a música estimulante pode provocar efeito paradoxal, semelhante à medicação, parece excluir o contexto social, a práxis, bem como a "história natural do comportamento" (VYGOTSKY, 1991) do menino hiperativo. Além do que, parece repetir-se um modelo médico-medicamentoso para o entendimento do fenômeno em questão. No entanto, admitindo-se tal hipótese, constata-se a exigência de um controle rigoroso de outras variáveis, tais como: da aprendizagem seguida pelo desenvolvimento do menino hiperativo, suas formas interativas na classe e seu envolvimento, como um todo, na atividade desenvolvida na sala de aula. A descrição fina do movimento corporal e sua análise por meio dos sistemas de categorias e das dimensões do movimento descritas pelos índices Movimento, Alternância e Ritmo, pareceu ser uma metodologia útil para tal investigação (SOUZA e CARVALHO, 1989). Além disso, acrescenta-se que o desenho metodológico usado na verificação do efeito da música sobre o movimento corporal apresentou-se também favorável à investigação de outras variáveis, num contexto semelhante, por excelência, ao que se desenvolveu nesta pesquisa. Ademais, salienta-se que a música é muito útil para compreender o funcionamento das funções corticais superiores ("uma janela"; LENG, 1990), o que vem corroborar com a visão de que se deve ter uma postura não limitada, restrita, sobre seu uso e conclusões abstraídas dos resultados.

O uso da música rock nesta pesquisa e os resultados obtidos no grupo hiperativo, por meio da interferência do rock, direcionam o raciocínio para uma afirmação de CARVALHO (1989): "A evolução cultural é um fator de nossa evolução biológica; a cultura produziu o cérebro que a produz... a cultura criou o ser que a cria..." Faz-se necessário, talvez, que a educação, em especial, debruce-se diante desta afirmação e, quem sabe, neste sentido, esta pesquisa possa trazer uma contribuição, considerando-se que os meninos hiperativos eram parte de um contexto sócio-psicológico-político-cultural nacional, provavelmente bem distintos ao dos meninos de outras décadas, como por exemplo, de 20 a 40.

Sob esta mesma égide da ativação cerebral, por meio da música estimulante, e esta funcionando como mediadora da atividade da criança, o trabalho de FURMAN (1978) constatou que a música diminuiu as ondas alfa, o que aumentou a concentração e o desempenho em tarefas de matemática e assimilação de estórias (CRIPE, 1986).

Analisando mais profundamente os resultados obtidos presentemente, poder-se-ia deduzir que a música reestrutura não somente o engajamento da criança à tarefa e/ou diminui a atividade da criança - representada nesta pesquisa pela significativa diminuição do movimento corporal do grupo movimento corporal diferenciado como também reorganiza o meio ambiente; onde diferenças existentes entre movimentos corporais funcionalmente à tarefa são reduzidas, entre os grupos estudados.

A interpretação da ativação do cérebro por meio da música, em especial pela estimulante, como mediadora da atividade da criança, é sob um aspecto importante e válida. " "O uso de signos auxiliares rompe com a fusão entre campo sensorial e o sistema motor, tornando possível assim, novos tipos de comportamento. Cria-se uma "barreira funcional" entre o movimento inicial e o momento final do processo de escolha...A criança que anteriormente solucionava o problema impulsivamente, resolve-o, agora, através de uma conexão estabelecida internamente entre o estímulo e o signo auxiliar correspondente. O movimento, que era anteriormente a própria escolha, é usado agora somente para realizar a operação já preparada. O sistema de signos reestrutura a totalidade do processo psicológico, tornando a criança capaz de dominar seu movimento... O movimento descola-se, assim, da percepção direta, submetendo-se ao controle das funções simbólicas incluídas na resposta de escolha" " (VYGOTSKY, 1991, p.39 e 40).

LEONTIEV (1977) expressa essa divisão ao afirmar que "a simples apresentação de um objeto, dificilmente desenvolveria na criança a capacidade de sua utilização. É claro que a formação de semelhante ação é em si mesma um processo de assimilação de operações formadas através da experiência de gerações anteriores e apenas surgem sob a influência do ensino que dirige de maneira específica a atividade da criança, que organiza suas ações (p.108). Esta atividade não pode desenvolver-se na criança independentemente, mas desenvolve-se mediante as relações práticas e verbais que existem entre elas e as pessoas que as rodeiam, na atividade comum" (p.109).

A música pode, isto sim, intermediar o desenvolvimento biológico e o psicológico, tendo ainda como mediadora desta intermediação a PRÁXIS (atividade), sem no entanto, desvincular-se da importante contribuição organização sócio-político-econômico da sociedade, tendo base fundamental na cultura. A música, sob nossa concepção, ativa o que a criança já possui a nível biológico e psicológico, ela "apenas" facilita a apropriação do existente numa relação dialógica com o social; o qual pode e deve ser traduzido pela e na atividade da criança na sala de aula, como no caso da presente pesquisa. "A música não cria coisas alguma; ela apenas intensifica... É um ressoador que reforça em cada alma aquilo que já existe nela" (INGENIEROS, citado por RIBAS, 1957, p.62).

"... É isso que realmente acontece: diante da música, cada ouvinte, de acordo com suas disposições hereditárias, constitucionais, de educação e outras, tende a focalizar o espírito sobre determinado objetivo..." (RIBAS, 1957, p.62).

As crianças bem cedo ouvem a voz da professora, que pode ter vários e diferentes significados, dependendo de como a professora entoa as palavras, do que ela diz, dos gestos que acompanham as palavras; as crianças podem também conviverem com professoras que absolutamente falam muito pouco, quase que apenas o necessário, mas fala como os olhos. No primeiro caso, a professora que fala quase que a aula inteira, não se sabe como esta verbalização internalizou-se nas crianças, em especial se se quer saber a nível individual; é aqui que incluímos o grupo movimento corporal diferencial: por inúmeros razões pode ser que a voz da professora não lhe seja mais o suficiente para ajudá-lo a escolher os movimentos funcionais à tarefa proposta, em sala de aula. Supondo que a voz da professora não "preencha "mais o espaço interno que é necessário, ao grupo movimento hiperativo, para realização da tarefa proposta, a música pode completar o espaço que falta ser preenchido para a realização da tarefa. Neste caso a música sendo vista como complementação da voz da professora, e como sistema de signo auxiliar, pode-se supor que: se a música "rompe com a fusão entre o campo sensorial e o sistema motor..." (VYGOTSKY, 1991, p.39), ela pode estar entrando ou pelo hemisfério esquerdo, ou pelo direito, ou por ambos os hemisférios; não importando por qual ela, a música atue, aqui no presente estudo; o que importa é que ela parece ativar o sistema motor, organizando-o, reestruturando-o. Parece que a música pode ser auxiliar do campo sensorial - entrando ou não pela via comum à palavra da professora, e do sistema motor - podendo entrar ou não pelo mesmo hemisfério que organiza os movimentos motores, relativos à tarefa acadêmica. Para pesquisas futuras, dependendo do objetivo se faz necessário investigar em qual, ou quais, hemisfério a música atua, além de sua ação nos mecanismos de integração e controle cerebrais.